Dissecando

Pink Floyd - Animals

Por Fabiano Cruz | Em 21/06/2009 - 11:35
Fonte: Alquimia Rock Club

Falar de um álbum de uma das maiores bandas que o Rock ‘n ‘Roll já teve é uma tarefa um tanto quanto difícil, ainda mais quando essa banda é considerada para muitos, uma das mais inteligentes e complexas que já ouvimos. No meio de tantos álbuns do Pink Floyd que dariam excelentes matérias para esse Dissecando, escolhi o Animals por ser um disco de passagem de “estilo” que a banda enfrentou, o ponto que, infelizmente, as brigas internas começaram (onde culminaram na quebra da banda após o disco Final Cut). O disco mais melancólico da banda, uma fábula criticando o mundo atual, o Animals faz parte da chamada “fase áurea” da banda, junto com Dark Side of The Moon, Wish You Where Here e The Wall – quatro discos fundamentais em qualquer coleção de Rock (por curiosidade, todos os quatros álbuns são temas conceituais de excelente bom gosto, com a banda no seu auge de criatividade). 


Um pouco de história.
 

Depois de mais uma bem sucedia turnê (do disco Wish You Where Here), a banda decide montar seu próprio estúdio, pois o contrato da EMI com o Abbey Road tinha terminado. Instalados em um prédio de três andares e batizados de Britannia Row, esse foi o palco das gravações de Animals durante o ano de 1976. 

Algumas faixas a banda já tinha apresentado ao público, como a Dogs com o nome de Gotta Be Crazy e algumas partes da Sheep com o nome de Raving and Drooling. Inicialmente com três faixas, Waters compõe duas faixas importantes pra concepção e compreendimento do álbum: Pigs on the Wing Part 01 e Part 02, o que causou o começo de brigas internas e processos de direitos autorais (Waters teve duas músicas a mais com seu nome no disco, e a música Dogs, composta em parceria com Gilmour, não teve seus royalties divididos entre os dois). Com o começo dos desentendimentos entre Waters e Wright na época, o tecladista não aparece como compositor em nenhuma das faixas, e sua participação cai drasticamente, tornando o álbum uma porta aberta para as experimentações e criatividade de Gilmour, o que acabou realmente acontecendo, pois é um disco bem orientado à guitarra. Outro fator importante que culminou na sonoridade sombria, foi a falta de sax e vozes femininas, que a banda vinha utilizando em trabalhos anteriores. 

Aqui o Waters já demonstrava que queria tomar o total controle da banda, decidindo principalmente os rumos das músicas. E isso ficou claro nas letras. Como seu pai faleceu em combate durante a Segunda Guerra, as letras de Waters já tinham um fundo triste e de extrema crítica a sociedade humana. No Animals, ele se baseou na fantástica obra de George Orwells, A Revolução dos Bichos (Animal Farm no original) – baseados em fatos que aconteceram na URSS de Stálin, o livro nos conta como um grupo de animais expulsam os humanos de uma fazenda, tomando controle dela e criando uma sociedade entre eles. No disco. Roger fala de magnatas da sociedade como cães (Dogs), políticos e líderes religiosos, a parte manipuladora (Pigs) e os que são mandados pelos tipos citados, não tendo nenhum poder nas mãos, nem sequer sua vida (Sheep) 

A capa, um porco inflável na frente do Battersea Power Station – uma estação de energia de Londres -, foi idéia do Roger Waters. O porco batizado de Algie foi a personagem de fatos engraçados quando a banda fazia a concepção da capa. No começo de Dezembro de 76, a banda começou a criação da arte. Amarrado com cabos na frente da usina, a equipe não conseguiu ajustar o porco por causa das más condições do tempo. Deixa no dia seguinte, o que parecia que o tempo estaria em ordem, uma ventania arrebentou os cabos e Algie saiu flutuando pelos céus de Londres. No meio da correria dos roadies e equipe, a polícia londrina chegou a avisar por rádio todos os pilotos de helicópteros que tinha um porco “voando” por cima da cidade. Os roadies acharam Algie numa fazenda na cidade de Kent, nos arredores de Londres. O porco inflável foi utilizado nos shows do Floyd na época, na turnê batizada de “In the Flash”, onde o porco, na Pigs (Three Diferents Ones), saía de traz do palco e atravessava os estádios por cima do público, voltando logo após ao palco. Até hoje, o porco é utilizado nas apresentações de Roger Waters. 

O Disco
 

Com um clima interiorano, a banda abre o álbum com Pigs on the Wings (Part 01). Já foi citado acima que essa faixa e sua segunda parte, que fecha o disco são de extrema importância para o disco. Sua curta letra já dá o clima de revolta e desprezo da humanidade, num modo próximo do niilismo que Waters despeja pelo disco. E a crítica começa ao próprio povo, que elege os “porcos” que estão sentados nas cadeiras de comando, e como no livro de George Orwell, os porcos dominam a situação de uma tal forma, que nós vivemos num círculo, dando voltas e voltas, sem resolver nada. Uma frase da letra específica bem o pensamento de Waters. 

“We would zig zag ou way throught the boredom and pain” 

Depois da calma e sarcástica música de introdução, começa a Dogs. Em seus 17 minutos de duração, ouvimos uma dura crítica aos homens de negócios, que fazem qualquer coisa para se tornarem líderes corporativo ou político. Pessoas que, na visão de Waters, não devemos confiar nem um pouco:

“You have to be trusted by the people that you lie to

So that when they turn their backs on you

You’ll get the chance to put the knife in.” 

Na letra também a banda mostra como somos usados por esse tipo de pessoa de uma maneira que não conseguimos sair de suas manipulações: 

“I gotta admit that I”m a little bit confused

Sometimes it seems to me as if I’m just being used

Gotta stay awake, gotta try and shake of this creeping malaise

If I don’t Stay my own ground, how can I find my way out of this maze?” 

O ponto alto da letra está no ultimo refrão, onde envolve varias questões de quem somos (podem reparar que as frases sempre começa com Who – quem na língua inglesa), baseado no poema “Howl” de Allen Ginsberg. As questões são todas baseadas no egoísmo humano que leva o homem a ganância e maldade. 

Musicalmente, Gilmour já mostra desde o começo como sua guitarra irá dominar o som do álbum todo. Com uma guitarra poderosa e um sintetizador bem colocado pelo Rick Wright, o tom da música é conforme a letra: bem ácido. Pela música, ouvimos loops e sons de latidos de cachorros, algumas vezes com a guitarra ajudando nos efeitos com a ajuda de um efeito chamado Vocoder. Um ponto interessante aqui é como Gilmore reproduz em seu instrumento os efeitos dos animais, com uma ênfase maior na Pigs, que veremos mais tarde.O solo feito na Dogs, para muitos fãs, é um dos melhores que o guitarrista já fez, colocando todo seu sentimento de angústia que a letra tem, sendo ela a mais pesada e desconcertante do álbum, tanto liricamente como musicalmente. 

Pigs (Three Diferents One) mostra três faces de manipuladores que usam certos tipos de liderança baseada no medo para controlar outras pessoas. Dividido em três partes, no primeiro refrão temos os comerciantes e, novamente, os homens de negócios (mas aqui com outra abordagem), que trapaceiam e persuadem todos a sua frente para se auto proclamar “superiores”. Waters descreve nessas linhas o quanto esses manipuladores são sarcásticos com as pessoas manipuladas por eles: 

“With your head down in the pig bin

Saying – keep on digging

Pig stain on your fat chin

What do you hopeto find” 

Depois, as duras críticas aos políticos e militares fazem as mais pessoais palavras de Waters, principalmente um ataque ao governo britânico e sua Dama de Ferro Margareth Thatcher. 

“You like the feel of steel

You’re hot stuff with a hatpin

And good fun with a hand gun” 

E no ultimo refrão da música, Waters cita claramente Mary Whitehouse, uma mulher importante na Inglaterra na época, que presava os bons costumes conservadores familiares, chegando a atacar algumas vezes o próprio Pink Floyd. Mas aqui Waters, por meio de alguns incidentes com a Whitehouse, critica a dura educação (por ele também manipuladora) da religião protestante britânica 

"You’re trying to keep our feelings off the street

You’re nearly a real treat

All tights lips and cold feet

And do you feel abused?” 

Interessante citar que também, nas três estrofes, Waters termina com “You’re nearly a laugh (no caso do terceiro refrão treat) But you’re really a cry”, mostrando o quanto infeliz a vida dessas pessoas pode ser. 

Gilmour de novo mostra toda sua técnica e inteligência em imitar o som de porcos na guitarra como base um dos mais magistrais riff de órgão que Rick faz (para mim, uma das melhores bases de teclados que tem na história do Rock). A música é densa, desconcertante e lenta, criando um perfeito ambiente realmente parecido com porcos em um chiqueiro. 


Após mostrar toda a sujeira que a humanidade tem, Sheep mostra os manipulados “acordando” e se dando conta da situação que estão. Uma clara mostra de Waters de dizer “Ei pessoal, vamos acordar e fazer alguma coisa contra tudo isso que acontece”. No segundo refrão mostra como as ovelhas começam a lutar pelos seus direitos e sair de toda a manipulação que sofrem: 

“What a surprise!

A look of terminal shock in your eyes

Now things are really what they seem

No, this is no bad dream.” 

E, numa passagem, talvez a mais cruel ironia que Waters teve em toda a sua carreira, onde ele faz uma paródia com o Salmo 23: 

“The Lord is my shepherd, I shall not want

He Makes me down to lie

Through pastures green He leadeth me the silent waters by

With bright knives He releaseth my soul

He maketh me to hang on hooks in high places

He converteth me to lamb cutlets.” 

Outro som que capta bem a sonoridade de um animal, mas aqui quem domina são os teclados de Wright. Ele captura muito bem a seneridade e organização de um rebanho com linhas bem impressionistas de seu Hammond, enquanto Gilmour, em vez de recriar sonidos de ovelhas na guitarra – como fez nas músicas anteriores criando sons de cachorros e porcos – aqui ele faz sons como se fosse o pastor do rebanho: percebemos algumas técnicas que ele faz um barulho de chicote estalando no ar. Apesar da letra melancólica, ela dá um poucode esperança, mostrando que podemos sim nos mover e lutar contra tudo quenos manipula, e o som, das três principais peças do disco, é o menos denso. 

Voltando ao clima fazendeiro, Pigs on the Wing (part 02) fecha o álbum. Com a lerta mais calma do disco, Waters mostra que, apesar de tudo, as pessoas tem algumachance de mudar em suas vidas. 

“And any fool knows a dog needs a home

A shelter from pigs on the wing” 

A banda após Animals 

O disco vendeu muito bem, mantendo a chama criativa da banda na época no auge. Na turnê, muitas vezes eles tocavam o Animals, bem como o Wish You Where Here na íntegra, o que já faziam com o Dark Side of the Moon e fariam na turnê do The Wall. Apesar da banda cada vez mais tendo nome de respeito – nessa turnê eles já não mais faziam apresentações em lugares fechados ou casas pequenas, tamanha a procura das pessoas para ver um show do Pink Floyd – as brigas internas começaram, sempre com Waters, cada vez mais crítico e ácido, ditando os rumos da banda, indo contra os outros integrantes. 

Um álbum que mostra todo o potencial de criatividade da banda, sendo que, para mim, junto ao Atom Heart Mother e ao Dark Side of the Moon, é o mais bem construido musicalmente, principalmente pelos toques – não sei até onde intencional da parte dos músicos – do chamado Impressionismo Francês (uma escola da música erudita que recria sons da natureza e do homem na música, teve nessa escola nomes como Debussy e Messian) e as mais duras críticas à humanidade pelas letras do Roger Waters. Um disco para sempre estar ouvindo e refletindo, sendo atual nas suas concepções até nos dias de hoje.


 



Fabiano Cruz

Músico formado em composição e arranjo, atualmente expande seus estudos musicais na UNIS em licenciatura. Possui DRT em Jornalismo e Produtor Cultural e trabalha na área de criação musical, com já fez trabalhos em produções artísticas, rádio e TV.




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