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Festival Psicodália de Carnaval 2011 - Segunda Parte

Por Fabiano Cruz | Em 01/07/2011 - 21:00
Fonte: Alquimia Rock Club

Segundo dia – 05.03.2011


Sábado foi o dia que começou a alternar chuva fina e sol que se estendeu pelo resto do feriado, causando em boa parte da tarde um mormaço e a noite caindo bastante a temperatura; e como foi o primeiro dia nessas condições, ainda estava o gramado e a terra intactos, a não ser pequenas poças de água e lama aqui e acolá. E nesse cenário a abertura do Palco do Sol de deu com o Smokers e seu rock bem calmo, quase acústico; som apropriado para o dia, inclusive bastante gente vendo o show sentados à frente do palco. Poucas pessoas agitaram um pouco mais com a já conhecida e sempre pedida Trem Fantasma; a rapaziada cada vez mais afiada, tocou seu Rock’n’Roll de uma maneira mais maliciosa e pesada que o ano passado; algumas pessoas já conhece bem o set da banda, pois é bem cultuada no underground curitibano. E o primeiro dia no Palco do Sol termina com Nego Blue, uma das bandas “diferentes” desse ano, pois o som deles é bem calcado no reggae. Timidamente víamos uma pessoa dançando aqui, outra ali; e a banda bem a vontade no palco mandava sons que combinaram perfeitamente com o clima do dia.


Até começar os shows no Palco do Pasto, o público ainda estava um pouco devagar – talvez pela farra e festança exagerada do dia anterior -, mas isso foi “curado” aos poucos com a primeira apresentação da noite no palco principal. Já bem conhecido do público do Psicodália, os mineiros do Zé Trindade começaram seu show com a nova música AC de Viola, e pelo fato do Danilo ter tido alguns problemas com sua viola (o que teve pelo show todo, mas foi contornado com o bom humor da banda) e um som que poucos conheciam, o público foi levantando o astral aos poucos, até cair totalmente na pancadaria Hard Rock do trio, principalmente nas mais conhecidas, como Blues da Lua e O Trem. O bom humor já dito ai teve no show todo, principalmente na nova canção Cessab Sessons Pass Savasi?, uma divertida letra sobre a noite “belzontina” carregada de sotaque mineiro na letra e uma base bem funkeada. Mais uma vez o Zé Trindade foi uma banda de destaque no festival!


Um dos shows mais aguardados, principalmente porque também estariam lançando um trabalho novo e com uma produção de palco de fazer inveja a qualquer banda, a trupe Sonora Casa de Orates estrearia seu novo espetáculo Luara, baseado em contos de bruxas. E a banda não fez feio. Caracterizados por um som complexo, com influências de MPB, Rock e Jazz, a banda nos apresentou um show onde musica, teatro e cenário se confundiam em um só. O ator Jônata Gonçalves, com pinturas simbólicas no corpo e um cajado, foi o “mestre de cerimônia”, narrando conceitos e histórias que entrelaçaram entre as músicas – inclusive com um destaque bem maior que no show Artesão dos Sonhos que a banda fez nas últimas edições. E no meio de tanto músicos excepcionais, não tem como não destacar a vocalista Siara Bonatti. Bela, sua voz foi muito bem arranjada para as novas músicas, sobressaindo muito perante a banda nas partes em que cantava. Com isso, a banda acertou em dar um destaque um pouco maior às vozes e, junto à produção do palco, deixou todos que esperavam satisfeitos com a apresentação.


E em falando de produção de palco, talvez a que mais se sobressaiu no ano nesses termos foi a banda Sopa. Caracterizado pelo humor nas letras, o palco preparado com bexigas coloridas por todos os lados (inclusive penduradas nos cabelos dos integrantes) e com participações de um dos grupos teatrais que se apresentavam à tarde no Saloon e de artistas circenses, fizeram uma verdadeira festa no palco! Comandada pela belíssima Daniele Madrid, a banda fez um energético show, inclusive pela atuação dela: não para um minuto no palco, além de ter uma voz incrível e tocar vários instrumentos, como violino e percussões. A tímida mudança na formação, para quem é particularmente fã da banda como eu, pareceu meio estranho no começo, principalmente pela falta de metais, mas os novos arranjos foram muito bem bolados e músicas como Grãos de Areia e Carrapato ou Carrapicho ficaram com uma roupagem nova bem legal. Também não faltaram sons novos, que teve como destaque a Miguelito, com seu som bem ao estilo dos cabarés europeus. Uma perfeita apresentação e a melhor que vi da banda!


Bem... a timidez do público já tinha se tornado festa de novo, principalmente depois da Sopa, mas agora teria um teste de fogo: como um público que tem o Rock e a psicodelia como pontos artísticos principais reagiriam a uma Big Band de Jazz? E como uma Big Band de Jazz se apresentaria de uma forma que cativasse o publico? Poucos que acompanham o Alquimia Rock Club sabem, mas como músico profissional, eu trabalho e estudo o Jazz, sendo uma de minhas paixões musicais ao lado do Rock/Heavy Metal, e sei como ambos públicos reagem perante os estilos. Apesar das origens familiares, os jazzistas acham o Rock um tanto quanto ruidoso e o público do Rock acha o Jazz um tanto quanto monótono. Claro que tem suas exceções, como as bandas de Fusion que agradam a ambos. Mas não era o caso do Psicodália.


Considerado uma das melhores no estilo no Brasil, inclusive sempre participando de festivais fora do país, a Tradicional Jazz Band sobe ao palco e com energia, soltaram clássicos e clássicos do Jazz, em um repertório muito bem escolhido. Desde as stantards como St. Louis Blues a clássicos da vanguarda do jazz, como a de Charles Mingus Nostalgia in Time Square, o que se viu no psicodália foi uma Big Band mandando jazz com uma linguagem bem energética – mais do que já são por natureza – e um público respondendo a altura! Já pela quarta música, não tinha ninguém no pasto parado, todos dançando conforme as belas melodias do Jazz. A preocupação do baterista e band leader Alcides Lima foi tanta, que antes de cada canção ele explicava com bastante bom humor a história da música e falava um pouco sobre o compositor, e no meio piadas e brincadeiras com o público e com os outros integrantes. Um show mágico, onde a recíproca entre artista e público foi de uma forma tão grande que poucas vezes vi essa troca de energia contagiante – já vi muitas apresentações de Jazz, mas em casas e festivais do estilo; dentro de um festival de Rock, foi a primeira vez, e tenho certeza que enriqueceu o conhecimento musical de muitos, quebrando bastante a barreira de que o Jazz é monótono e “cerebral”, a imagem que o estilo tem fora de seu circuito. A Tradicional Jazz Band com certeza fez um dos melhores shows dessa edição numa apresentação que ficou na memória de muitas pessoas!


A noite terminou no saloon com a Electric Trip, que sempre faz shows energéticos, e o povo já estava bem agitado com a Tradicional Jazz Band, lotou de uma forma o local que era praticamente impossível entrar por lá. Cansado, infelizmente não pude ver o Electric Trip – somente umas olhadas por fora do Saloon - de fui para a barraca descansar debaixo de uma garoa que no dia seguinte teimaria em dispersar...


Terceiro Dia – 06.03.2011


Domingo começou com a chata garoa e foi se estendendo por todo o dia, com tímidas e curtas aparições do Sol, que mal davam para secar a lama que começava a ficar cruel pela fazenda. E assim começou a maratona de shows do dia com a banda Zezé e Simões, mandando um bom Rock’n’Roll que começou a agitar a galera logo começo de tarde. E o Rock de uma forma bem contagiante teve continuidade com O Trilho; para mim, uma das maiores surpresas do festival. A belíssima Fabíola, com seu vozeirão, comandava a banda calcada em sonoridades clássicas, como dos Rolling Stones, num show que teve bastante garra e energia. Bastou tocarem composições como Rock Madeira para conquistar a simpatia de muitos!


Em pouco tempo, o Goya, com toda sua esquisitice musical, subia ao palco. Esperado por muitos, antecipou um pouco toda a “progressividade” que teria mais a noite no placo principal; e a banda não fez feio! Um som difícil de rotular, a banda mandou sons que o público do Psicodália já conhecem, e com destaque para o sax , que encantou com melodias muito bem construídas (mesmo que meio “tortas”, com um pé bastante calcado no Fusion e no Free Jazz). E a última banda do dia no Palco do Sol foi o Pão de Hamburger, banda de Curitiba que vem tendo bastante destaque na cidade com seu Rock clássico com toques de psicodelia, um perfeito contraste depois da caoticidade do Goya.


A noite, a banda Koti e os Penitentes abriram o Palco do Pasto. A banda fez um show excelente, muito bem tocado, beirando o Rock dos anos cinqüenta e sessenta. Mesmo com muita energia, foi um pouco prejudicada pela escalação, pois o som deles se enquadra mais no “todo” que teve no Palco do Sol – poderia ai ter tido uma troca com o Goya -, pois muitas pessoas lá estavam, nesse dia, para presenciar as bandas mais progressivas do festival. Resultado: o público viu com uma certa frieza o show deles, mas a banda não se abateu por isso.


O tão esperado show do O Conto foi o próximo. Capitaneado pelo Klauss, uma das mentes por trás de toda a estrutura do Psicodália, mostrou uma nova formação da banda e novas composições. Com a entrada do Cliceu, a banda ganhou um integrante a mais e, assim, corrigiram um dos fatores que faltavam à eles: os graves de um contra-baixo bem construído. As músicas antigas tiveram novos arranjos e com uma cara totalmente progressiva bem aos moldes de bandas clássicas – como King Crimson e Genesis -, tudo isso sem deixar de lado sonoridades de fora do Rock, como um samba e melodias jazzísticas. E que show! Mesmo com os músicos um pouco nervosos em palco, ganharam a simpatia de todos! Muitas vezes se revezando nos instrumentos - Klauss, Cliceu e o novo membro Deneway são verdadeiros multi-instrumentistas -, o Conto fez uma apresentação de cair o queixo de qualquer um que admira o Rock Progressivo. O show, que podemos dizer que foi quase conceitual, teve uma ligação com um boneco que interagiu com banda e público, criando em certo momento com a iluminação e o som da banda momentos de verdadeira “viagem” musical. Para muitos, o maior destaque desse ano, e foi uma das bandas mais aplaudidas!


Depois de uma bela apresentação do Conto, muitos estavam se perguntando “como será o show do Cartoon”? Banda estreante no festival, os mineiros com suas complexas músicas vem se destacando Brasil afora – e até mesmo em outros países – mas nunca tinha ido até em terras no Sul do país. Com uma bandeira com o nome da banda, o Cartoon fez uma das apresentações mais festejadas da história do festival. Apresentando sons de sua “trilogia” – Martelo, Bigorna e Estribo, seus três trabalhos até então – a música deles é um apanhado de inúmeras influências composta em identidade única. Um pouco o fato de terem bastante músicas na língua inglesa deixou alguns “puristas” do Psicodália um pouco de nariz torcido - pois foi mais uma “regra” quebrada esse ano, a de colocar uma banda onde as letras não são em nossa língua; mas para quem estava lá pela música se encantou com o som mágico do quarteto. As influências vão do Rock ao Erudito, em um som progressivo que não fica nada atrás de bandas consagradas mundo afora, e tecnicamente foi uma das que mais impressionou: como os caras tocam! Músicas do naipe de Thor’s Hammer e From the Hands of God deixou muitos boquiabertos – e nem comento as “brincadeiras” em palco com peças de músicos eruditos, como Beethoven. O show mostrou ao público que o Cartoon já pode ter seu nome colocado aos mestres do progressivo nacional.


E em falando em mestres... O Terço após essa volta da formação clássica vem fazendo concorridas apresentações – nós do Alquimia Rock Club, sem sucesso, tentamos ir em dois shows deles em SP em 2010 onde os bilhetes se esgotaram rapidamente – e, como já era de se esperar, o que vimos foi uma belíssima apresentação do grupo carioca, um dos maiores nomes da história do Rock nacional. A formação que consta com Sérgio Hinds, Flávo Venturini e Sérgio Magrão, além do baterista convidado Sérgio Mello tocou os maiores clássicos da carreira e é de se admirar o quanto os caras estão tocando; e o mais legal de ver foi o público jovem do Psicodália cantar música por música, mostrando que realmente é atemporal o trabalho da banda. O momento mais emotivo – e introspectivo – foi um pequeno set acústico no meio da apresentação, que com certeza deve ter arrancado lágrimas dos mais duros de coração. Realmente faltam palavras pra descrever mais do que isso; foi daquelas apresentações que é impossível relatar em detalhes tamanha magia e beleza; uma apresentação no Psicodália que, para mim, ao lado da Casa das Máquinas e do Terreno Baldio, foram imortalizadas nas areias do tempo.


E logo depois no Saloon, foi talvez o momento mais festivo do festival. Davi Henn, de última hora cobrindo uma banda que falhou com seu compromisso, foi apresentar seu trabalho, agora em carreira solo. Mas em certa altura do campeonato, aquele ar de “toca o foda-se” tomou conta e amigos dele fizeram a festa em palco, tocando inúmeros sons numa gigantesca Jam entre organizadores, trabalhadores e público que varou madrugada adentro! Cenas hilárias, cervejas goela abaixo e o Rock’n’Roll comendo solto fez ate quem estava presente esquecer o frio e a garoa que estava pro lado de fora. Uma noite que perpetuará a memória de muita gente que presenciou belos espetáculos progressivos e uma festança animal no final!
 


Continua...


(primeira parte)

(terceira parte)



Fabiano Cruz

Músico formado em composição e arranjo, atualmente expande seus estudos musicais na UNIS em licenciatura. Possui DRT em Jornalismo e Produtor Cultural e trabalha na área de criação musical, com já fez trabalhos em produções artísticas, rádio e TV.




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