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Virada Cultural 2011 - Segunda Parte

Por Fabiano Cruz | Em 20/07/2011 - 22:10
Fonte: Alquimia Rock Club

Palco Boulevar São João
(Beatles 4ever – Complete Works)



24 horas tocando direto, sem dormir. Pior: executando TODAS as canções conforme os anos de lançamento da considerada a maior banda da história do Rock. Isso é para poucas pessoas. Quer dizer, pouquíssimas cinco pessoas. A Maratona Beatles, feita pela banda cover Beatles 4ever (com o tecladista Edson Yoko para os arranjos de orquestra e outras complicações) conseguiu realizar essa proeza. Já tinham feito isso por 16 horas seguidas numa ocasião no Rio de Janeiro – o que valeu a entrada deles no Guiness Book of Records – e dessa vez resolveram tocar todos os discos dos Beatles.


O resultado foi o Boulevar São João lotado em qualquer hora, num público muito variado, principalmente com muitas famílias no meio; e um público que de certa forma se emocionou com várias canções, muitas cantadas em uníssono. Isso se repercutiu em palco, o que foi a energia que a banda arranjou para agüentar a maratona, junto com o bom humor, pois em nenhum momento, apesar de demonstrarem cansaço, principalmente no Domingo depois do meio-dia – horário que o Sol começou a castigar fortemente o Boulevar -, os integrantes ficaram de mal-humor, sempre brincando com o público e entre eles mesmo.


O Alquimia Rock Club priorizou o que julgamos os quatro discos mais importantes dos Beatles: Revolver, Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, Let It Be e Abbey Road. Os dois primeiros, tocados no meio da madrugada, a banda tocou perfeitamente, ainda tinham pique de sobra, e, além dos clássicos contidos neles como Taxman, Lucy in the Sky with Diamonds, Tomorrow Never Knows e With a Little Help From My Friends, os pontos altos foram quando “nosso” George Harrison empunhou uma cítara para tocar as canções compostas nesse instrumento. Aliás, instrumentos é o que não faltou em palco. O arsenal do Beatles 4ever conta com instrumentos e amplificadores similares aos que os próprios Beatles usaram, inclusive uma Slide Guitar que pertenceu ao próprio John Lennon...


Os discos apresentados já após o meio-dia de domingo, a banda já não estava com a voz 100%, mas instrumentalmente... Bem, um público animado – muitos acompanhando a banda desde as primeiras notas da apresentação -, ajudou um bocado e a garra ainda estava no palco, com eles tocando com pouquíssimos erros e, no meio de brincadeiras e profissionalismo, o destaque ainda continuava sendo Marcos Rampazzo – o “Nosso” Harrison; afinal, o homem já foi até elogiado pelo original numa história contada pela banda... E o que falar de canções do nível de Let It Be, Come Together, Across the Universe e Here Comes the Sun? Podem falar o que quiser, mas a força dessas músicas são sentidas tocadas por qualquer pessoa e em qualquer ocasião... O momento mágico ficou na “segunda parte” do Abbey Road, onde várias músicas curtas são tocadas sem interrupção, e o Beatles 4ever tocou com a máxima precisão e fidelidade ao disco! Após a execução do Abbey Road, foram aplaudidos em pé! Infelizmente não pudemos ficar até o fim ou ver a apresentação por completo, mas so de ver esses quatro trabalhos tocados temos que tirar o chapéu aos caras...


Palco Estação da Luz
(Orquestra Experimental de Repertório Convida Sepultura)



Talvez, dos momentos que o Alquimia Rock Club prestigiou, esse tenha sido o melhor. O Heavy Metal tem inúmeros exemplos da junção desse estilo com o Erudito, mas poucas bandas nacionais arriscaram essa delicada junção; e foi uma surpresa quando, numa apresentação com respeito ao Pau-Brasil – uma espécie de árvore típica de nossa terra que está em vias de extinção por causa de desmatamento, comércio ilegal e envenenamento do solo por causa das minerações, entre outras coisas – a Orquestra experimental de Repertório, por comando do maestro Jamil Maluf, convidou o Sepultura para essa apresentação. Particularmente, a Orquestra é especialista em juntar o Erudito com outros estilos, sempre fazendo apresentações convidando nomes da música do Brasil, experiente em fazer arranjos e modificações juntando o popular com o erudito, mas ao chamar uma banda de Heavy Metal foi a primeira vez.


O local do palco, entre a Estação da Luz e a Praça da Luz, belíssimo cenário paulista onde o palco para orquestras e danças sempre foi montado, antes da apresentação já estava em sua máxima lotação por causa dos fãs do Sepultura, sendo praticamente impossível andar por lá. Sabiamente, a Orquestra soube escolher uma boa peça de um compositor que é referência ao Heavy Metal de 10 entre 10 bandas: a abertura de Die Meistersinger Von Nürnbergh, de Richard Wagner. Tirando alguns sem educação em que já foi comentado na introdução da matéria, o público até que prestou atenção, porém a tensão de esperar o Sepultura foi aumentando cada vez mais. Quando o maestro Jamil anunciou que tocariam o hino Valtio, composto por Andreas, e logo a banda subiria no palco, foi extremamente difícil conter o povo, gerando um trabalho imenso em conjunto da Polícia Militar e dos seguranças o que, com respeito aos fãs, conseguiram conter os ânimos – o que fatalmente aconteceria algum desastre, pois a grade de segurança estava quase rompendo e muitas pessoas na frente estavam literalmente sendo esmagadas.


E o público enlouqueceu quando a banda entra e tocam, na mais agradável surpresa da noite, Inquisition Symphony. Alguns problemas técnicos apareceram, principalmente a equalização um pouco desregulada entre banda e orquestra, o que muitas vezes partes maravilhosas das cordas não se ouvia direito e o som um pouco abafado da bateria e da voz de Derrick, mas nada que prejudicasse a audição – claro que mais límpido o som, melhor seria. Pelo contrário, a energia do público que passou à orquestra – muitos lá de formação erudita desde criança talvez nunca teriam passado por energia ou situação semelhante – e a alegria da banda fez esses pequenos problemas técnicos de palco passarem quase desapercebidos; isso foi visto claramente em Refuse/Resist e na magnífica City of Dis.


Os arranjos feitos para os sons ficaram perfeitos. Jamil não economizou em técnicas instrumentais contemporâneas para criar efeitos dissonantes que, juntos aos acordes do Sepultura, criaram um som explosivo e poderoso. Mas, particularmente em Kaiowas, os ecos do romantismo de Wagner na instrumentação com a reminiscência da música tribal indígena do Brasil – como ela foi composta – no violão de 12 cordas de Andreas foi algo mágico, para se emocionar, o que na cara do próprio Andreas estava estampado, com seus olhos quase lacrimejantes; e essa magia se estendeu na Ludwig Van, faixa de A-lex onde o Sepultura fez uma homenagem ao considerado maior compositor de todos os tempos: Beethoven. O famoso tema de (Ode à Alegria), primeira melodia composta em coral para uma orquestra que Beethoven compôs em cima do poema de Schiller, foi cantada em uníssono pela guitarra, cordas e o público presente. Não preciso dizer que foi algo magnífico...


Andreas agradeceu com os mais sinceros elogios a orquestra - “Vocês são foda!” – e o maestro “O maestro Jamil Maluf a nos convidar para esse evento é o cara mais corajoso da música brasileira”; e mandam a pancadaria Roots Blood Roots, levando à loucura os fãs, principalmente pela força – mais do que já tem! - que a música ficou com os arranjos orquestrais. A apresentação termina com um encore repetindo a Refuse/Resist, mas o povo cantando o refrão de Territory; mesmo com uma música já tocada, não poderiam ter terminado melhor.


Como já disse, a apresentação foi bela, surpreendente, (quase) perfeita, mostrando que, com um trabalho extremamente profissional desde os arranjos à execução, aqui no Brasil tem como as bandas fazerem um trabalho desse, não precisando recorrer à orquestras e maestros europeus, e muito menos as bandas nacionais terem medo de inovar e experimentar. Fora que mostrou toda a competência da Orquestra experimental de Repertório – particularmente, como estudante de composição e arranjo e admirador da música clássica, já vi a orqusstra varias vezes – para pessoas que não estão acostumadas, ou não escutam, um trabalho erudito e definitivamente o Sepultura como a maior banda de Heavy Metal do Brasil, independente dos “xiitas” e saudosistas dos irmãos Cavalera.


Palco Líbero Badaró
(Tohpati Ethnomission e Soft Machine Legacy)


Após sair do palco onde o Beatles 4ever tocou alguns clássicos, domingo a tarde, num sol escaldante brilhando uma São Paulo em momento único, levando um grande público e famílias a prestigiar as mais variadas formas de Arte, o Alquimia ficou entre cobrir as bandas de pop-rock nacionais dos anos oitenta (leia-se: Blitz e RPM) e as últimas bandas do palco montado para o som instrumental. Sem muito o que pensar, rumamos para ver as duas últimas apresentações no palco da Líbero Badaró prestigiar duas bandas que faz parte do casting da Moonjune Records: o fusion dos indonésios do Tohpati Ethnomission e as lendas do progressivo Soft Machine Legacy.


Aqui teve o maior dos problemas técnicos que nós presenciamos. Não sei dizer o porquê, mas a passagem de som do Tohpati Ethnomission atrasou enormemente, quase uma hora; talvez isso tenha prejudicado um pouco a banda, pois muitas pessoas não tiveram paciência para esperar, ficando na frente do palco curiosos para saber como soaria um fusion feito por indonésios e amantes de boa música. O mais divertido foi no meio de problemas de regulagem com percussão típica da Indonésia, onde o resto da banda, com a calma típica de asiáticos, riam e se divertiam entre eles, sem nenhum nervosismo ou estrelismo aparente, o que estamos acostumados a ver quando acontece isso.


E, depois de um longo atraso, a leveza “de espírito” se viu em palco com o Tohpati Ethnomission mostrando um som poderoso! Já os conhecia pelo disco enviado pela Moonjune Records – diga-se de passagem, um dos melhores do estilo ano passado -, mas ao vivo o som é mais poderoso ainda. E mais: a técnica instrumental da banda é algo de cair o queixo. Comandado pelo guitarrista Tohpati, o fusion com melodias típicas de seu país cria um som exótico e belo, que deixou os presentes – cerca de 300 pessoas – extasiados e de queixo caído, aplaudindo os indonésios a cada som executado. Temas como Selamatkan Bumi (Save the Planet) e Biarkan Burung Bernyanyi (Let the Birds Sing) com as melodias hora na guitarra, hora na suling (flauta típica da cultura deles). A técnica do baixista Indro Hardjodikoro é algo de outro planeta, como toca o cara! Seu solo instrumental foi belíssimo; como também o dueto entre o baterista Demas Narawangsa e o percussionista Endag Ramdan, mostrando ambos técnicas apuradas e alegria, pois tocavam rindo um pára o outro como uma verdadeira brincadeira. Ponto alto do show foi na execução de Ethno Funk, um som bem agitado que arrancou aplausos e aplausos dos presentes.


E um dos melhores momentos que vimos ficou por último; afinal, ver lendas vivas em palco é algo não menos que magnífico. O Soft Machine Legacy conta com ex-integrantes do Soft Machine, considerada uma das mais importantes – e não reconhecida – banda da história do Rock Progressivo, mantendo acessa a chama de músicas maravilhosas em releituras bem atuais não deixando elas cair em esquecimento. Contando com o guitarrista John Etheridge, o saxofonista Art Themen, o baixista Roy Babbington e a lenda John Marshall na bateria, nos ingleses nos proporcionaram uma verdadeira aula de como fazer música de qualidade.


Pelo atraso no show anterior, o Soft Machine Legacy foi uma das últimas apresentações no dia, e o som mágico foi tocado numa agradável e bela tarde de Domingo – mesmo sendo no centro de São Paulo –, fazendo um palco espetacular junto ao Mosteiro São Bento ao fundo. E os ingleses estavam inspirados... Mandando bastante som do último trabalho, Live Adventures, ver ao vivo o poder dos riffs de Grapehound, a viagem psicodélica de The Nodder e o leve funkeado de In the Back Room bastou para deixar os presentes em um estado de quase êxtase. Falar da qualidade instrumental de cada um é idiotice; basta saber que em um momento Themen jogou para cima as partituras e incorporou o espírito de improviso, tão característico no som do Soft Machine e em um intervalo veio um grito da platéia “você é foda, Marshall”, que deixou o baterista até meio encabulado e um tímido sorriso por ter escutado seu nome em alto e bom tom. Aliás, seu solo de bateria foi um dos melhores que já vi; em altos 60 anos de idade, Marshall mostrou uma completa técnica e uma musicalidade que desbanca muitos bateristas afora.


O ápice do show foi com Facelift. Um dos maiores clássicos do Soft Machine, do disco Third, foi tocado numa versão longa com improvisos maravilhosos dos integrantes; juro que vi lágrimas escorrendo no rosto de várias pessoas... Ao termino da apresentação do Soft Machine Legacy, ficou aquele ar de “queremos mais”, mas com o cronograma de apresentações variando entre uma hora e uma hora e quinze minutos, e já passando das sete da noite, a banda saiu ovacionada de palco. Sorte das poucas pessoas presentes terem ficado por lá e presenciado uma das melhores e lendárias apresentações da Virada Cultural.
 


(Primeira Parte)



Fabiano Cruz

Músico formado em composição e arranjo, atualmente expande seus estudos musicais na UNIS em licenciatura. Possui DRT em Jornalismo e Produtor Cultural e trabalha na área de criação musical, com já fez trabalhos em produções artísticas, rádio e TV.




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