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Festival Psicodália de Carnaval 2011 - Terceira Parte

Por Fabiano Cruz | Em 10/08/2011 - 18:37
Fonte: Alquimia Rock Club

Quarto Dia – 07.03.2011


Com uma tarde gostosa onde a chuva deu uma trégua a todos – mas que continuaria mais a noite, os shows começaram sem atraso no Palco do Sol com o “padrinho” do festival, Plá. Dessa vez, ele fez um show um tanto diferente; nas outras edições suas apresentações foram quase que totalmente acústicas somente ele e seu violão, mas, nesse ano, o Plá subiu com uma banda no palco e fez um energético show surpreendendo a todos! As músicas acústicas ele tocou ao lado da feirinha quase todos os dias, divulgando e vendendo seu material. E a energia continuou numa das apresentações mais divertidas que já vi! Chucrobilly Man, a banda de um homem só, tocando bateria, violão, gaita e ainda fazendo voz, fez uma apresentação energética e legal. As músicas, uma mistura de rockabilly, alternativo e punk – sim, impossível definir o que o cara toca -, fez muitas pessoas levantarem e dançarem rente à grade de proteção; coisa que nos outros dias o público estava meio morno, com ele o povo se soltou bem mais.


Na última apresentação que veríamos no Palco do Sol, ficou para uma das bandas mais esperadas do festival – inclusive tinha fãs lá que foram ver especificamente ela -, os paulistas do Cosmo Drah. Reconhecida pelas suas apresentações bombásticas e pelo Hard Rock extremamente pesado, a banda fez um dos melhores shows dessa edição de 2011 – quiçá da banda, pelos vários shows que já vi. Sem tomar conhecimento dos instrumentos e “sentando a mão”, a trupe comandada pelo vocalista Rubens, mandou já conhecidas músicas como Hospício intercaladas com composições novas, que sairão no prometido primeiro trabalho ainda esse ano. Em quase uma hora de pancadaria, o Cosmo Drah fechou, muito bem aplaudido pelo público, a participação do Palco do Sol no Psicodália com chave de ouro!


Com um som ao estilo rock’n’roll bem cru, Rafael Castro abriu a noite no palco do Pasto, agitando uma boa galera que já se amontoavam nos melhores lugares para ver os shows. Suas músicas são carismáticas, com bastante gente que já as conhecia – também pelo fato de ser mais uma banda que sempre dá as caras às edições do festival. Pouco tempo de intervalo, veio OSebbo, a banda que mais tocou no Psicodália – afinal, desde a primeira edição eles marcam presença. O carisma da vocalista Margareth Blaskievicz com o som que transita entre o Hard Rock e o mais puro Rock’n’Roll, a banda teve o público nas mãos, onde sempre pedem a banda. Vendo somente o finalzinho de sua apresentação, OSebbo tocou bem mais a vontade do que em anos anteriores que eu vi; a banda já é totalmente integrada ao festival, o que faz eles parecerem bem mais soltos em suas apresentações do que outras bandas.


E em se tratando em bandas que o povo sempre pede, é impossível negar, gostando ou não do som dos caras, como o público gosta e agita no show do Confraria da Costa. Com seu som “piratesco”, a banda sabe como fazer uma apresentação e agitar um público!!!! Já abrindo com uma de suas canções mais famosas, És Cadavérico, não se via uma alma quieta pelo pasto! Embalados pelo som do Confraria, o povo pula, dança e canta em todas as músicas! E a banda retribuiu com uma apresentação pra lá de energética, tudo comandado pelo vocalista/violonista Ivan Halfon (sim, ele mesmo que é baterista no Sopa). O ponto alto talvez tenha ficado na versão (ou desconstrução?) de Hungarian Dance no. 05, de Brahms, momento que so não levantou poeira do chão com as danças do público porque o chão estava praticamente uma mistura de lama e grama pisada...


E chegou a hora da atração principal do ano. Um dos mestres da Tropicália e um dos músicos brasileiros mais cultuados aqui e fora do país, Tom Zé levou ao palco uma  apresentação muito bem escolhida para o festival, pois o set constou em suas músicas mais agitadas e mais “rock”, intercaladas com grandes clássicos de sua extensa carreira. Com uma banda totalmente afinada, os arranjos levemente mudados para um som mais pesado e dissonante, deixaram as músicas ainda mais interessantes; o público ficou bem dividido, alguns dançando sem parar, outros prestando atenção nos mínimos detalhes, mas o fato que a apresentação do Tom Zé foi quase um furação. Músicas como (ver nome de umas duas) foram muito bem cantadas e aplaudidas. E mesmo com músicos do mais alto gabarito, Tom Zé ainda é um “frontman” encantador... Já passado dos 70 anos, nem parece o quase debilitado músico que tem que ter cuidados especiais para se apresentar (como vocês podem ler na entrevista abaixo); em palco ele se transforma: corre, pula, brinca. Em nenhum momento demonstrou cansaço extremo e sua alegria contagiante em palco foi um dos principais fatores para que esse tenah sido mais um show inesquecível no Festival Psicodália.


E a noite terminou com a polêmica do festival... Como já disse, a organização quis mostrar que o festival não é voltado somente ao Rock, com Jazz, Blues, músicas folclóricas de outros países; mas faltava um pouco de nossa própria cultura, onde o Lamarão e a Banda da Casa fez as vozes do Brasil tocando pela madrugada adentro um pouco de samba e outras raízes brasileira. Isso gerou um pouco de desconforto aos presentes, afinal, era Carnaval e todos que estavam lá o que menos queriam ouvir era justamente o estilo musical que carrega as festas carnavalescas nas costas. Até entendo o ponto de vista da organização, pois no festival de Ano Novo 2009/2010, no mesmo Saloon, um pessoal se juntou e fez aqueles improvisos maravilhosos com base em nossa música, mas no fato de uma banda tocar raízes o povo não aceitou. Bem, fiquem a vocês julgarem esse fato...


Último Dia – 08.03.2011


Como sempre, o último dia fica reservado para duas bandas, começando as apresentações logo após o horário de almoço. Com um dia bonito – pelo menos no último dia! – quem não precisou ir embora mais cedo, devido à viagens longas e muitas pessoas ainda trabalhariam quarta de manhã, presenciou duas das melhores apresentações da edição desse ano. A começar pelo Sopro Difuso. Com seu som Progressivo/Psicodélico, as canções são realmente belas e de um forte impacto ao vivo, ainda mais que a banda estava totalmente entrosada. Jacir Antunes sabe comandar bem a banda em palco e se comunicar com o público, que viam e ouviam com máxima atenção e bastante emocionados com a apresentação do Sopro Difuso. Não poderia faltar a participação de Michele Mara, parte do show que sempre arranca algumas lágrimas dos mais sensíveis... Mais um show como ponto alto da edição desse ano, como sempre o Sopro Difuso sendo um das melhores bandas; ver eles ao vivo é uam experiência musical única. (Talvez tenha tido só um ponto negativo; o fato de terem tocado à luz do dia. Em outras edições, a iluminação era conjunta com o som deles, integrando bastante som e imagem, e particularmente senti falta disso. Fato a rever o horário para a apresentação deles num próximo festival).


E a última banda a se apresentar... Mais uma vez a organização do Psicodália consegue trazer um grande nome da história do Rock nacional, resgatando e juntando o passado fazendo bandas voltarem à ativa por causa do festival. E esse ano foi nada mais nada menos que o Ave Sangria. Já com o público bem reduzido, a banda pelo seu mentor Marco Polo fez todo mundo dançar, inclusive embaixo de um gostoso Sol que deu as caras de uma forma limpa somente nas últimas horas. Não tinha como ficar parado com a mistura de Rock e sons do nordeste brasileiro e vibrar com canções que fizeram história pelas polêmicas que gerou no passado – para quem não sabe, a Ave Sangria teve sua carreira totalmente prejudicada pela censura nos idos dos anos 70. O som limpo da produção de palco fez com que as músicas ficassem fortes, mostrando todo o seu potencial e de como ainda músicas do gabarito de Seu Waldir ainda soarem atuais; e a satisfação, surpresa e alegria de Marco Polo em sorrisos estampava todo minuto em sua face. Não tinha como terminar melhor essa edição de 2011 do Psicodália, o que so lamento as pessoas que tiveram que ir embora antes de ver esse magnífico fechamento!


Coletiva de imprensa – Tom Zé


Como todas as edições do festival, as principais bandas se juntam ao pessoal que trabalha na mídia e concede uma entrevista coletiva, e como todos os anos o Alquimia Rock Club está presente, e nessa edição a coletiva que participamos foi com o Tom Zé. Baiano, tropicalista e um músico sempre além de seu tempo, Tom Zé aparenta cansaço e debilitação, por causa de sua idade e problemas de saúde, mas a conversa com ele é de uma experiência única; sem “papas na língua”, fala o que quer e o que não der, doe a quem doer, mas suas palavras destilam a mais alta sabedoria e experiência que um músico pode ter. E no meio de tantas perguntas, ele falou um pouco sobre como, mesmo com todas as dificuldades que sente e tem, sobe ao palco para se apresentar: “ Minha vida toda é so pra subir no palco. Tem três ou quatro coisas que faço pra subir no palco; me alimentar de uma maneira muito cuidadosa pra poder ter energia,  fazer música - a razão de subir no placo, e não fazer mais nada do que preparar a energia pra ter esse contato com vocês e depois comer uma maçã e dormir. Porque, por exemplo, não tenho mais pâncreas, não posso beber mais nem por brincadeira; quando era criança eu bebi demais e acabou o pâncreas. Eu tive problemas de coração em 2002, estava em Recife na porta do hospital do coração e fui tratado antes de ter qualquer coisa”. E, além dos preparos físicos e mentais, completa com a reação das pessoas ao ver sua performance em palco: “ Eu tenho que ter essa alegria pra ir pro palco, e para poder fazer um show eu me preparo como se fosse um religioso, é isso que me dá força. Quando chego no palco, as pessoas dizem ‘como esse cara tem 70 anos?, ele tem 20, tem 40’, não é, tenho 70, mas me preparo pra isso. A semana toda eu vou à piscina fazer tratamento nas costas, nadar, fazer força; duas vezes na semana. Os médicos disseram que eu tinha que me aposentar, nem morto”.


Considerado um dos maiores gênios da música brasileira, Tom Zé fala um pouco de suas influências e pensamentos musicais. “A língua do povo da roça, em nossa cidade, era muito diferente da língua do povo da cidade, pra vocês terem uma idéia, se vocês quiserem saber, qualquer livro do Guimarães Rosa tem a língua igualzinha a que se falava na loja do meu pai. E eu, que era criança, que dizem que criança tem fome de aprender e facilidade para aprender línguas, eu aprendi a falar a língua da roça. Essa foi a universidade mais sofisticada que freqüentei  na vida, foi aprender a língua do povo da roça. Porque dizem que cada língua é uma visão de mundo, é uma concepção universal; e eu criança, sem saber, tava tendo essa possibilidade de ter essa visão meio cambiada com Aristóteles quanto à visão moçárabe do povo da roça, que é uma concepção totalmente diferente do que aquela que o colégio ensinava.”


Entre um caso e outro e em agradáveis histórias – sempre consultado sua esposa em algumas falhas de memória -, vira e mexe se desviada das perguntas, mas foi inevitável responder sobre sua relação com a censura em uma época negra para os artistas no Brasil: “Durante a ditadura tinha duas coisas paradoxais: tinha pessoas que queriam aproveitar o charme de estar numa ditadura para usar vocês, o público, ‘olha, ouçam essa música agora por que depois não vão ouvir mais’; esse tipo de subir no palco como se fosse um herói, como se fosse capaz de orientar o público. Era muito comum, e eu não podia nem dizer claramente que era malandragem; quando dizia, quase torciam meu pescoço. No dia que a censura acabou, tinha começado um show no Lira Paulistana na quinta ou sexta; na noite de sexta feira saiu um decreto que tinha acabado a censura no Brasil. Ai cheguei no palco e disse assim: ‘Socorro, a censura acabou’. Queria disser que muita gente que tava protegido pela censura por que era preguiçoso e não queria trabalhar ou pra fazer coisa desonesta, pra vender a quem queria comprar o barato fácil, as pessoas perseguidas pela censura tinham um preço muito gostoso; queria dizer que ‘socorro, todo esse pessoal que ta vivendo da censura, agora que a censura acabou vai ter que meter o rabo na casa da puta que pariu. É claro, essas coisas também, muita gente aqui se tiver vontade de fazer, faz. Faça! Faz parte. ou entenda ou grite em cima’ “.


E depois de toda sua sabedoria exposta, Tom Zé responde curtamente uma última pergunta, sobre a rejeição que ele tem de algumas mídias e pessoas... “ Todo lugar que eu vou, tem um público que vai lá; a maior parte se surpreende por que nem sabia, outros se decepcionam, que é natural, se agradar a todo mundo você deixa de ser humano. Então tem todas essas nuanças de aproximação, de integridade, de rejeição, têm tudo...”. O papo, mesmo sendo curto – afinal, ele precisou descansar de uma viajem longa -, terminou com a atenção que Tom Zé deu a todos os jornalistas que participaram da coletiva, conversando um pouquinho com cada um, distribuindo autógrafos e tirando fotos, numa lição de humildade, indo de contra a muitas coisas que eu já li sobre sua pessoa...
 


(primeira parte)

(segunda parte)



Fabiano Cruz

Músico formado em composição e arranjo, atualmente expande seus estudos musicais na UNIS em licenciatura. Possui DRT em Jornalismo e Produtor Cultural e trabalha na área de criação musical, com já fez trabalhos em produções artísticas, rádio e TV.




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