Contos e lendas sobre a cena de Canterbury
Contextualização Geográfica
Canterbury é um distrito do condado de Kent que fica no sudoeste da Inglaterra, com aspecto majoritariamente rural. É um centro estudantil que atrai muito a juventude inglesa, onde se localiza uma das mais antigas escolas da Inglaterra, a King´s School. Em sua paisagem predominam as orquídeas e a imponente catedral.
Introdução e adoção da terminologia
O termo "cena de canterbury" ou "som de canterbury" é muito controverso, especialmente para os músicos que hoje (correta ou incorretamente) são associados diretamente a ele. Na opinião pessoal do autor deste texto, a proposta de um sub-gênero para as bandas que surgiram a partir do núcleo Wilde Flowers-Daevid Allen Trio é descabida. Em primeiro lugar, porque existem poucos pontos comuns entre o som das bandas que são categorizadas como tal, e na questão geográfica, muitos músicos de bandas desta dita "cena" nem eram do lugar e as bandas estavam estabelecidas principalmente em Londres. Parece ser mais sensato continuar a considerá-las dentro do grande espectro do rock progressivo, que na realidade era a idéia (consciente ou inconsciente) de todos (ou quase todos) eles - a expansão do rock (enquanto linguagem da música jovem) a um novo patamar de musicalidade e de expressão artística e a agregação de novas influências, que até então eram novos terrenos.
Por conta deste núcleo central (de onde derivaram as principais bandas - Soft Machine, Caravan, Hatfield and the North, etc...) ter surgido em Canterbury, por facilidade entendeu-se que todas estas bandas também seriam bandas de Canterbury, assim como as bandas que derivaram destas principais. É um termo incompleto e até certo ponto errôneo de fato, mas que didatiza um pouco a coisa. O que corrobora a tese de uma "cena" em Canterbury é a grande intercalação de músicos, que foram comuns a várias bandas, descritos abaixo com uma resumida biografia. Se valendo dessa agregação de tantas boas bandas de rock progressivo nesse nicho - cena de canterbury - vamos tratar de algumas histórias, de alguns de seus principais expoentes.
Outro ponto importante a citar é que alguns destes grupos, derivados da árvore genealógica iniciada em Canterbury, se tornaram famosos e influentes dentro e fora da Europa. Surge a partir disso uma confusa extensão do "gênero" Canterbury para rotular bandas como Supersister e Pantheon (Holanda), Moving Gelatine Plates (França) e Picchio dal Pozzo (Itália) entre outros, algo que também acontece com o termo kraut-rock, que inicialmente usado como um rechaço inglês ao som feito pelos alemães, foi transformado em gênero e expandido para fora do cenário alemão. É um fator complicador - criar sub-gêneros dentro de um gênero do rock já alvo de tantas indefinições e subjetividades.
Referências aos principais músicos
Daevid Allen => batizado como Christopher David Allen, nascido em Melbourne, Austrália. Guitarrista, vocalista e letrista. Membro fundador do Daevid Allen Trio, Soft Machine, Gong (e seus muitos projetos relacionados) e carreira solo.
Robert Wyatt => Robert Wyatt-Ellidge, natural de Bristol, Inglaterra. Baterista, percussionista e vocalista, membro do Wilde Flowers, Daevid Allen Trio, Soft Machine, Centipede, Matching Mole e também carreira solo.
Hugh Hooper => Nascido em Whitstable, Kent, Inglaterra e infelizmente já falecido (7 de Junho de 2009, aos 64 anos). Baixista, membro do Daevid Allen Trio, Wilde Flowers, Soft Machine, Isotope, Soft Head, Soft Heap, Gilgamesh e vários outros projetos.
Brian Hopper => irmão de Hugh Hooper. Guitarrista, saxofonista e flautista, tocou com o Wilde Flowers, Soft Machine, Zobe e Beggars Farm.
Richard Sinclair => Richard S. Sinclair, nascido em Canterbury, Inglaterra. Guitarrista e baixista. Integrou o grupo Wilde Flowers e formou o Caravan. Tocou também com o Hatfield and the North e o Camel.
Mike Ratledge => Natural de Maidstone, Kent, Inglaterra. Integrou o Soft Machine em suas diversas formações e fases.
Kevin Ayers => De Herne Bay, Kent, Inglaterra. Tocou com o Wilde Flowers e o Soft Machine durante curto período e depois seguiu como artista solo, integrando também o Gong eventualmente.
Dave Stewart => David Lloyd Stewart, nascido em Waterloo, Londres, Inglaterra. Tecladista das bandas Arzachel, Egg, Khan, Hatfield and the North, Gong e National Health.
Phil Miller => Natural de Barnet, Hertfordshire, Inglaterra. Guitarrista, integrou formações do Delivery, Matching Mole, Hatfield and the North e National Health
Pip Pyle => Phillip Pyle, de Sawbridgeworth, Hertfordshire, Inglaterra. Falecido em 2006. Baterista que começou com a banda Delivery e depois tocou com Khan, Gong, Hatfield and the North, National Health e Soft Heap.
Steve Hillage => Nome de batismo Stephen Simpson Hillage, de Chingford, London Borough of Waltham Forest, Inglaterra. Guitarrista e vocalista, participou do Arzachel, Khan, Gong (tocando também com Kevin Ayers) e National Health, mas fez a maior parte de sua carreira como artista solo.
Pye Hastings => Julian Frederick Gordon Hastings, escocês de Tamnavoulin. Guitarrista e vocalista que integrou também o Wilde Flowers e se firmou com o Caravan.
Dave Sinclair => David Sinclair, primo de Richard, natural de Herney Bay, Kent. Foi membro do Wilde Flowers, do Caravan, Matching Mole e Hatfield and the North.
Núcleo Inicial – de Wilde Flowers e Daevid Allen Trio para Soft Machine e Caravan
O jovem Robert Wyatt residia em Lyndon, e ingressou nos estudos na Simon Langton School em Canterbury, cidade próxima de Lyndon. Lá conheceu Hugh Hopper e Mike Ratledge, que logo se tornaram seus amigos, por dividirem afinidades musicais, especialmente relacionadas ao jazz contemporâneo. Em uma viagem à Majorca, na Espanha, Wyatt trombou com o maluquete Daevid Allen, que estava sempre rodando pela Europa, numa filosofia de vida bem beatnik. De cara, o garoto já simpatizou com Allen e suas idéias e começaram a dar forma a uma banda, que foi batizada como Daevid Allen Trio, baseada em Canterbury. O trio consistia de Wyatt, Hopper e Allen. Isso em 1963. Allen introduziu os garotos numa vida exagerada de bebedeiras e noitadas e também catalizou o interesse dos dois no jazz avant-garde. A banda alcançou uma repercussão muito tímida e naufragou pouco tempo depois de formada, com Daevid Allen se mandando para Paris. A experiência com Allen foi marcante para a dupla Wyatt-Hopper, que seguiu em frente com uma nova banda, já no ano de 64 - The Wilde Flowers. O nome surgiu como uma homenagem à Oscar Wilde e foi sugerido por Kevin Ayers. Inicialmente, faziam parte da empreitada Robert Wyatt (bateria, voz), Brian Hopper (guitarra, sax, flauta), Hugh Hopper (baixo), Richard Sinclair (guitarra) e Kevin Ayers (voz). Reza a lenda que Kevin foi convidado para banda somente por causa de seus cabelos compridos! Não chegaram a gravar nenhum registro oficial, somente alguns poucos registros de ensaios e apresentações, hoje disponíveis em CD, que apresentam mais valor histórico do que musical. A banda fazia covers dos principais nomes do rock e r&b, especialmente os Beatles e artistas americanos dos anos 50, mas se diferenciava da garotada de outras regiões da Inglaterra por incluir, aos poucos, pitadas do jazz que fazia a cabeça de Robert Wyatt e Hugh Hopper. No curto período de existência do grupo (cerca de 2 anos e meio), ocorreram várias mudanças de formação e até o próprio Daevid Allen, em suas idas e vindas, integrou o grupo por um breve período em 65.
Daevid Allen, junto de Kevin Ayers, inicia em 66 um novo grupo - o Soft Machine. As pretensões eram maiores - fazer um som mais sofisticado, mais jazzista e experimental. Junto dos dois, se achegam também Robert Wyatt e Mike Ratledge. Allen na guitarra, Ayers no baixo e vocal, Wyatt na bateria e Ratledge nos teclados. Em 66, a banda inicia seus trabalhos com o registro de um single com as músicas "Love Makes Sweet Music / Feelin' Reelin' Squeelin'", lançado em janeiro de 67. Nesse período, o Soft Machine marca território forte no underground londrino, dividindo as noites do UFO Club com o também nascente Pink Floyd. Em 67, um fato muda a trajetória da banda - Daevid Allen, retornando de viagem à França, onde a banda estivera envolvida com um projeto avant-garde que estava rolando na região de St. Tropez, é impedido de entrar no território inglês. A alegação era de que a legislação para imigrantes havia mudado. Daevid estava na França também interessado nos agitos que ocorriam no movimento estudantil e que culminaram nos marcantes protestos ocorridos em maio de 68.
O grupo porém continuou, sem Daevid Allen, se transformando em um trio de bateria-baixo-teclado. Com essa formação, partem para a América num tour com a Jimi Hendrix Experience, ganhando a admiração de Hendrix. A partir daí a banda se consolida de vez, lançando o primeiro registro em 1968. Seria exaustivo mencionar a história do Soft Machine, que praticamente tem uma formação diferente em cada um dos discos que gravou até 76. Importante é citar que até aquele ano, somente Mike Ratledge participaria de todos os momentos do grupo, que expandiu as divisas da mistura de jazz com rock, via muita experimentação sonora.
Desmanchado o Wilde Flowers, um outro grupo que surgiu foi o Caravan. Quando cada um começou a ir para seu canto, sobraram Pye Hastings e David Sinclair, que se juntaram ao primo de David, Richard Sinclair. A primeira formação da banda contava, além dos 3, com Richard Coughlan na bateria, que tinha entrado no lugar de Robert Wyatt no Wilde Flowers, quando este quis assumir os vocais da banda. Curiosamente, os quatros membros da primeira formação do Caravan tinham passado pelo Wilde Flowers, mas em nenhuma das formações havia os 4 músicos juntos.
Steve Hillage e Dave Stewart
Ambos dos arredores de Londres, tiveram um primeiro encontro nos idos de 68, na banda Uriel. Estudavam juntos na City of London School e lá também conheceram o baixista Mont Campbell. Todos eles tinham como primeiro instrumento a guitarra. Steve Hillage, por ser o mais habilidoso dos três, ficou com a vaga, com Campbell indo para o baixo e Stewart para os teclados. Também fazia parte dessa empreitada inicial o baterista Clive Brooks e o grupo dedicava-se a tocar covers de blues e rock psicodélico. Hillage saiu da banda para prosseguir os estudos na universidade de Kent, e os três remanescentes prosseguiram, assumindo o nome de “The Egg”, passando a trabalhar em composições próprias. O Egg assinou um contrato prévio com a Decca (através de sua subsidiária Deram), mas pouco tempo depois a banda foi convidada por uma pequena produtora para registrar uma sessão. Para não se queimar com a Decca, reassumem a formação da época do Uriel, convidando novamente Hillage e rebatizando-se como Arzachel. O disco foi gravado em 69 e creditado aos músicos em pseudônimos - Simon Sasparella, Njerogi Gategaka, Basil Dowling e Sam Lee-Uff, com o curioso detalhe de uma biografia inventada para cada um de seus “pseudo-músicos”, descrita no encarte do disco. Apesar de ser um pouco rejeitado tanto por Steve Hillage quanto por Dave Stewart, o disco é bem interessante dentro do espectro do rock psicodélico inglês e vale bastante o garimpo.
A história enquanto Arzachel/Uriel ficou por ali mesmo e o projeto “Egg” foi que seguiu adiante. Em 70, a banda lançou o primeiro disco, auto-entitulado, sem muita repercussão. Ainda no mesmo ano, em uma nova oportunidade com a Deram, sai “Polite Force”, melhor recebido por público e crítica, porém a história do trio seguiu só até julho de 72, com Clive Brooks se mandando para o Groundhogs, de Tony McPhee, com quem gravou os álbuns “Hoghwash” e “Solid”. No período, a banda compôs material que não foi aproveitado para seus dois álbuns e em 74, Mont Campbell propõe um novo encontro dos três para o lançamento desses temas, que originou o último álbum do Egg, “The Civil Surface”. Até o fim da banda, não havia nenhuma relação do Egg com Canterbury e os músicos daquela região, apesar de que hoje, o Egg é descrito como integrante da “cena”. Só mais adiante é que Dave Stewart estabeleceria relação (mesmo que indireta) com a galera de lá.
Steve Hillage, quando estava em Kent, começou a se relacionar com duas bandas realmente formadas na região – o Caravan e o Spirogyra. O Spirogyra na verdade começou como um duo folk em Lancashire, região norte da Inglaterra. O guitarrista e vocalista Martin Cockerham mudou-se para Canterbury, indo estudar na mesma universidade de Kent e lá expandiu a banda, contando com Barbara Gaskin (vocais), Steve Borill (baixo) e Julian Cusack (violino), além do companheiro Mark Francis, com quem iniciou a banda. Ocasionalmente, Hillage fazia um som com esse pessoal e com eles estabeleceu uma amizade. Retornando à Londres em fins de 1970, iniciou o projeto de uma nova banda, o Khan (confira a matéria que escrevi sobre eles, aqui nesta seção), que gravou um dos melhores trabalhos do rock progressivo inglês no período, o disco “Space Shanty”. A amizade com o pessoal do Caravan viabilizou o lançamento do disco do Khan, que foi produzido por Terry King, produtor também do Caravan na época. Além disso, as duas bandas dividiram o palco em várias ocasiões durante o ano de 72.
Dave Stewart participou das gravações do disco “Space Shanty” (ocorridas no segundo semestre de 71) e integrou a banda por um pequeno período em 72, após o fim do Egg. Em janeiro de 73, é convidado a integrar a nascente Hatfield and the North, assumindo o posto que por alguns meses fora de David Sinclair (ex-Caravan). Aí sim começa o relacionamento de Dave Stewart com o pessoal de Canterbury, mas é nítido que ainda de uma forma bastante sutil e indireta, porque o próprio Hatfield and the North não era uma banda de Canterbury ou de seus arredores; somente os irmãos Sinclair (David e Richard, sobre os quais falaremos mais em seguida) eram da região. O Hatfield and the North durou até 75, tendo gravado dois discos e depois disso, Stewart tocou com o Gong em alguns concertos pela França e formou o National Health com Alan Gowen (ex-Gilgamesh) e Phil Miller, seu companheiro no Hatfield and the North.
Já Steve Hillage, depois do insucesso com o Khan (devido às constantes mudanças de formação), tocou com a Kevin Ayers Band e com o Gong, antes de partir para uma bem sucedida carreira solo, que iniciou com o petardo “Fish Rising”, em 75, disco cujo material viria a integrar o segundo disco do Khan, caso a banda tivesse continuado.
Phil Miller e Pip Pyle
Phil (guitarrista) e Pip (baterista) eram de Hertfordshire, na região centro-sul da Inglaterra e lá formaram a banda Delivery, que começou em 66 com o nome de Bruno’s Blues Band. Em 68, integra-se a banda o baixista Roy Babbington e a vocalista londrina Carol Grimes. A banda gravou apenas um disco em 70 e seus produtores queriam que creditar o disco como Carol Grimes and Delivery. Em 71, Pip Pyle sai da banda para entrar no Gong e entra em seu lugar Laurie Allan (que também depois integraria o Gong). Por um breve período, Pip também emprestou seus serviços percussivos ao Khan, de Steve Hillage. O Delivery continuou (após alguns períodos de inatividade) até 72, com uma formação já bem diferente da inicial, formação essa que acabou se tornando o Hatfield and the North.
Antes do Hatfield and the North, Phil Miller estabelece seu primeiro relacionamento de fato com os músicos e bandas dos arredores de Kent. Em 71, Robert Wyatt o convida para seu novo projeto, o Matching Mole, formado em outubro daquele ano, após Wyatt abandonar o Soft Machine. A banda gravou dois discos, contando além de Wyatt e Miller, com David Sinclair nos teclados e o baixista Bill MacCormick (futuro Quiet Sun, outra banda erroneamente relacionada à “cena” de Canterbury). Após o lançamento do disco e uma breve turnê pela Europa, abrindo curiosamente para o Soft Machine, a banda encerra suas atividades. Como curiosidade, vale citar que Matching Mole vem do termo “Machine Molle”, equivalente em francês à Soft Machine. Pouco tempo depois desse primeiro desmanche da banda, surgiu uma nova formação com Wyatt, MacCormick, Francis Monkman (ex-Curved Air) e Gary Windo, que também não durou muito.
A banda Delivery tinha sido convidada a se reunir novamente, no segundo semestre de 72, para alguns shows. Essa empreitada contava inicialmente com Dave Sinclair, que logo desiste e é substituído por Stephen Miller (primo de Phil). Quando dessa mudança, assumem o nome de Hatfield and the North. Stephen só quebrou o galho até que o posto fosse assumido de vez por Dave Stewart. A formação que se estabilizou era Phil Miller, Pyp Pile, Richard Sinclair e Dave Stewart. O Hatfield and the North teve uma trajetória curta, porém bem sucedida, com seus dois discos bastante aclamados pela crítica, uma série de shows na Europa e América e 4 concertos para a BBC.
Os Sinclair
Muitas idas e vindas aconteceram na trajetória musical desses primos. Dave também era estudante na Simon Langton School em Canterbury, onde estudavam Robert Wyatt, os primos Hopper (Brian e Hugh) e Mike Ratledge. Dave integrou, por um breve período, o agrupamento dos Wilde Flowers, onde seu primo Richard já tocava. Mas a coisa começou a valer para os dois mesmo a partir de 68, com a estréia do Caravan.
Dave permaneceu no Caravan até 71 e decidiu abandonar a banda para buscar outros horizontes musicais. Seu primo Richard prosseguiu até 72, época em que era lançado o quarto disco do Caravan, “Waterloo Lily”. Em 71, Dave foi convidado a participar das gravações do primeiro disco solo de Robert Wyatt, que em agosto daquele ano saíra do Soft Machine e essa parceria amadureceu no Matching Mole. Porém, Dave não estava muito na onda de improvisações jazzísticas e acaba se cansando do Matching Mole, deixando-o em março de 72, após uma temporada de shows pela Europa.
Richard Sinclair convidou o primo para seu novo projeto, que vinha da junção dele com o pessoal do Delivery, o Hatfield and the North. Dave topou, porém os mesmos motivos que o fizeram deixar o Matching Mole surgiram quando das primeiras semanas de ensaio com o Hatfield and the North. Em 72, a barra pesou para Dave que estava sem grana e felizmente surge um convite de Pye Hastings para que Dave voltasse a emprestar seu talento aos teclados do Caravan. Então, surgia o novo lançamento do Caravan, “For Girls Who Grow Plump In The Night”, contando novamente com Dave Sinclair, assim como os dois próximos discos que a banda lançou, ambos com sucesso – “Live With The New Symphonia” (1974) e “Cunning Stunts” (1975). Mas em 75, uma nova debandada de David, dessa vez mais por motivos pessoais do que por direcionamento musical. Ao longo dos anos, ele ainda teria outras entradas e saídas do Caravan.
A carreira de Richard começou bem cedo – logo aos 14 anos ele entrou para o Wilde Flowers, que, na verdade, era uma banda de amigos de colégio. O garoto não ficou muito tempo na banda e saiu para estudar desenho industrial na Universidade de Kent. Quando o Wilde Flowers se desmanchou, Dave Sinclair (junto de Pye Hastings e Richard Couglan) convidam Richard para o nascente Caravan, banda que o projetou e com a qual gravou 4 discos. O terceiro disco, “In the Land of Pink and Grey”, além de ser mais o bem sucedido da banda até então, também era o que tinha mais composições de Richard na banda. Fica evidenciada, ao se ouvir o trabalho, a grande veia melódica do baixista e guitarrista.
Quando Dave Sinclair deixou o Caravan, no verão de 71, Richard convidou um amigo para substituí-lo nos teclados, Stephen Miller. Stephen acabou sendo o catalisador de mudanças no som do Caravan, o que gerou um certo racha na banda. Depois do disco “Waterloo Lily”, de 72, Richard também sai da banda junto com Stephen Miller (primo de Phil Miller) e ali começam a arquitetar o Hatfield and the North, sobre o qual já escrevemos.
Um dos motivos do fim do Hatfield and the North foi a dificuldade de Richard Sinclair conciliar os contínuos compromissos da banda com sua vida pessoal (naquele momento ele estava casado e com um filho recém nascido). Após um período em pequenos projetos de pouca expressão, Richard Sinclair é convidado por Andy Ward para ingressar no Camel, em 77. Esse período de Sinclair no Camel rendeu os álbuns “Rain Dances” e “Breathless”. A carreira de Richard prossegue até hoje, e já passou por diversas reuniões tanto do Caravan quanto do Hatfield and the North, ao longo dos anos.
Kevin Ayers e Daevid Allen
Daevid Allen, barrado na França, formou por lá o Gong, um agrupamento multi-sonoro-multi-nacional de músicos, que hoje poderia até ser descrito como “Família Gong”, pois já originou um sem número de outros projetos com seus ex-membros. Seria também exaustivo tratar sobre a história do Gong, mas vale citar que já participaram da banda figurões como Steve Hillage, Pip Pyle, Dave Stewart e até o próprio Kevin Ayers. Kevin, desde 69, quando lançou seu primeiro álbum solo, “Joy of a Toy”, continua passeando por diversos terrenos – rock experimental, música pop, neoclássico, jazz-rock, etc – com sua Kevin Ayers Band.
Os agregados
A trajetória do Soft Machine se entrelaça com a da banda londrina Nucleus, do trompetista Ian Carr, um dos pioneiros do jazz-rock na Europa. Alguns músicos que eram do Nucleus passaram pelo Soft Machine, especialmente no período pós-71. Quando Robert Wyatt deixou a banda, Phil Howard assumiu as baquetas por um breve período, mas quem segurou a cadeira pra valer foi o talentoso baterista do Nucleus, John Marshall. Mais ou menos na mesma época, o saxofonista Elton Dean é substituído por Karl Jerkins, multi-instrumentista que tocava teclados e oboé no Nucleus. Jerkins passou a assumir um papel importante nas composições da banda logo de cara. Em 73, outro músico que já tinha passado pelo Nucleus (e também pelo Delivery), Roy Babbington, é efetivado na banda, como baixista substituto de Hugh Hopper. Seria, porém, uma simplificação muito grande dizer que o Nucleus é uma banda da “cena de Canterbury” só por conta disso.
Uma outra banda cuja história vai de encontro com as bandas do núcleo Daevid Allen Trio-Wilde Flowers é o Gilgamesh. Formada no outono de 72, em Londres, era liderada pelo tecladista Alan Gowen. Alan já tinha algum relacionamento com Dave Stewart, Richard Sinclair, Hugh Hopper (que ajudou em algumas composições da banda) e o pessoal do Hatfield and the North. As duas bandas tocaram juntas em um par de concertos no fim de 73 em Leeds, onde reuniram todos os músicos no palco para uma animada jam session. Fizeram parte do Gilgamesh, em alguma de suas diversas formações, o baixista Mont Campbell (que era do Egg), Jeff Clyne (que tinha passagens pelo Nucleus e integraria também o Isotope), James Muir (futuro percussionista do King Crimson) e Neil Murray, famoso anos depois com o Whitesnake. A banda acabou logo depois de ter lançado o primeiro disco em 75 e se refez numa nova formação para gravar um segundo disco, em 77. Após o fim do Hatfield and the North, Alan Gowen juntou-se a eles para formar uma grande reunião destes músicos que temos listado ao longo do artigo – o National Health. Talvez o embrião do National Health tenha sido aquela jam session em Leeds...
A primeira formação do National Health era composta por Dave Stewart e Alan Gowen (teclados), Phil Miller e Phil Lee (guitarras), Mont Campbell (baixo) e Pyp Pile (bateria). Bill Bruford era o baterista inicial, mas logo Pip assumiu o posto, com Bill Bruford participando eventualmente. O primeiro disco do grupo, além de toda essa galera ainda conta com mais uma série de convidados, entre eles Neil Murray, Steve Hillage e Barbara Gaskin, que tinha sido vocalista do Spyrogyra e viria a ser esposa de Dave Stewart. A banda chegou num momento em que o público estava menos disposto a um som jazzístico e avançado; teve uma carreira intermitente e se consolidou mesmo como um projeto, sempre aberto a muitas participações especiais. O fato que mais atrapalhou a continuidade do National Health foi a precoce morte de Alan Gowen, em 1981.
São muitas histórias e trajetórias que se emaranham e que, como dito no início do texto, por facilidade e didática são compartimentadas com este rótulo de “cena de Canterbury”. O fato é que, mesmo incorreto, o termo acabou pegando, num momento em que a crítica musical se concentra em rotular e sub-rotular excessivamente a produção musical. Fica a deixa para que, depois de tantas histórias, desperte-se no leitor o interesse pelo trabalho dessas bandas, o que com certeza proporcionará fantásticas audições, seja nas bandas com maiores influências jazzísticas (Soft Machine, Hatfield and the North, Gilgamesh) nas mais experimentais (Gong, Matching Mole, National Health, Egg) ou naquelas que trafegaram pelas linhas mais tradicionais do rock progressivo inglês (Caravan, Delivery, Khan).
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Ronaldo Rodrigues é Colaborador Esporádico