40 anos da morte de Jimi Hendrix - Um pequeno tributo em letras e imagens
Dia 18 de setembro de 1970. Uma triste notícia sacudiu a cabeça de boa parte juventude mundial – James Marshall Hendrix morreu ao ser levado ao hospital, sufocado no próprio vômito. As causas do fatídico acontecimento daquela manhã de Londres até hoje são controversas. Mas o que se admite de forma geral é que Hendrix teria passado mal por conta de barbitúricos que tomou antes de dormir, além de estar bêbado. São extremamente desinteressantes esses detalhes escabrosos do fim de uma vida, especialmente uma vida intensa e genial como a de Jimi Hendrix. O que importa é que se passaram 40 anos que essa trajetória foi enterrada materialmente, mas a aura do guitarrista é constantemente renovada e sua obra reverenciada com força e constância ao longo dessas quatro décadas de ausência.
O objetivo aqui não é falar de morte, e sim de vida. De uma obra viva, influente e, por incrível que pareça, persistentemente atual. Uma vastidão de adjetivos já foi usada para tentar descrever a tempestade de idéias e renovações que Jimi Hendrix trouxe para a guitarra e para o rock. A despeito de técnica e virtuosismo, quesito em que outros guitarristas estejam em níveis mais elevados que Hendrix (até mesmo na época, já havia guitarristas excelentes e virtuosos, como Jeff Beck, John McLaughin, Alvin Lee, Robert Fripp, Roy Buchannan, Larry Coryell, etc), a amplitude que sua obra atingiu é uma coisa praticamente única. São vários os fatores que tornam sua obra transcendente e que cristalizaram sua imagem como um ícone da contracultura.
A musicalidade de Hendrix é riquíssima e sua música abriu vários leques para a explosão de ritmos e a ecleticidade predominante do período da art-rock . Dos primeiros acordes de sua bombástica estréia, “Are you Experienced”, de 67, emana um peso ainda pouco comum ao rock. Tudo bem que os Yardbirds, o The Who e o Cream já faziam estrago, especialmente ao vivo, tocando alto e forte. Mas Hendrix foi um decisivo passo para o irremediável caminho do rock, de se tornar mais pesado e agressivo. A metamorfose do blues, somada a sua malícia e inteligência para captar todo o espírito lisérgico do período, junto com o bom apadrinhamento de Chass Chandler e a competência dos músicos que foram escolhidos para acompanhá-lo em sua meteórica jornada, foi fundamental para logo estabelecer novas divisas e balançar todo o mainstream dos músicos ingleses. A guitarra peso-pesado de Hendrix e suas composições combinando rock e blues, foram o grande legado para a concepção do “heavy-rock” em fins dos anos 60, do qual o grande baluarte, enquanto obra inaugural, seria a estréia do Led Zeppelin. Difícil imaginar algo em 67 mais pesado (não confundir com “barulhento”) do que “Foxy Lady”, “Purple Haze”, “I Don’t Live Today” e “Spanish Castle Magic”. Daí em diante sua obra foi apresentando momentos ainda mais pesados, principalmente ao vivo, com a bateria esmurrada do grande Mitch Mitchell e do baixo saturado do também grande Noel Redding. Músicas como “Look Over Yonder”, “Voodoo Child (Slight Return)” e “Midnight” são puro hard-rock à moda Hendrix, com um inventivo maquinário de riffs que fez (e continua fazendo) escola.
Aliado ao momento de experimentações e múltiplas liberdades musicais, os mesmos trabalhos de onde se extravasa peso e lisergia, apresentam uma faceta exuberante da criatividade de Hendrix, onde ele foi capaz de tecer melodias extremamente viajantes e etéreas, abusando de novos recursos sonoros, como pedais de wah-wah, flanger, tremolo, técnicas de mixagem invertida entre outras novidades à época. Tudo isso Hendrix utilizou para elevar sua obra. Os sons siderais de sua guitarra embalam a mente em canções como “May this be Love”, “Third Stone from the Sun”, “Castles Made of Sand”, “Have your Ever Been? (To Electric Ladyland)”, “1983 (A Merman I Should Turn to Be)”, “Drifting”, “Hey Baby (New Rising Sun)” e “New Rising Sun (M.L.K)”.
Sem abdicar de suas raízes e os primórdios de suas experiências com a música, no período 69-70, Hendrix adentrou com mais força nos terrenos do soul, do funk e do r&b, ora com um acento um pouco mais pop, ora com todo o sangue da música dos guetos. Alguns dos mais notáveis passeios nestes terrenos estão no disco ao vivo da Band of Gypsys, onde somado a Billy Cox (seu amigo desde a época do exército) e o baterista/vocalista Buddy Miles, ele destila grooves lancinantes de sua guitarra, junto de uma técnica realmente admirável (o que demonstra como sua potência virtuosa aumentou consideravelmente de 67 a 70). Também é pródiga nesse sentido a compilação “First Rays of New Rising Sun”, um disco considerado póstumo como uma obra em si, mas que não se sabe realmente se ele sairia daquela forma, com aquele repertório. Eram as músicas que Hendrix vinha trabalhando entre o fim de 69 e o começo de 70, onde é clara a sua aproximação dos estilos citados. Algumas dessas músicas apareceram por primeiro no filme “Rainbow Bridge” e depois aos poucos em várias compilações que surgiram pouco depois de sua morte. Porém isso não era de todo uma novidade, pois já em “Axis Bold as Love”, despontam coisas com essa pegada swingada. Para quem se aventurar nessa abordagem da obra de Hendrix, com certeza passará por “Wind Cries Mary”, “Little Miss Lover”, “Wait Until Tomorrow”, “Long Hot Summer Night”, “Dolly Dagger”, “Room Full of Mirrors”, “Tax Free” (um cover da dupla sueca Hansson & Karlsonn), “Power of Soul”, “Who Knows”, “South Saturn Delta” e a versão funkeada do blues “Bleeding Heart”, de Elmore James.
Em se tratando de covers e versões, Hendrix praticamente cometia verdadeiras safadezas com as músicas alheias, quase sempre as deixando em melhores lençóis do que suas roupagens originais. Desnecessário falar de “All Along the Watchtower”, de Bob Dylan, que ficou tão boa e bem tratada em estúdio que Hendrix praticamente não a executava ao vivo. Se transformaram em releituras raivosas e swingadas canções de blues como “Mannish Boy”, “Hoochie Coochie Man” e “Catfish Blues” de Muddy Waters, “Born Under a Bad Sign” de Albert King e “Killing Floor” de Howlin’ Wolf, rocks como “Johnny B. Goode” de Chuck Berry, “Blue Suede Shoes” e “Hound Dog” de Elvis Presley, “Day Tripper”, “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” (a que ele fez uma versão logo após o disco homônimo ser lançado) e “Tomorrow Never Knows” dos Beatles, “Sunshine of your Love” e “Outside Woman Blues” (em lendários improvisos ao vivo) do Cream, “Dear Mr. Fantasy” do Traffic, “Wild Thing” dos Troggs, “Hey Joe” de Billy Roberts (Hendrix fez a versão definitiva dessa música, entre muitas que pipocavam na época com diversos intérpretes) entre muitas outras, especialmente em jam sessions com os muitos amigos músicos que fez. O caso dos covers de Bob Dylan são a uma coisa a parte, porque Hendrix era muito fã dele e o “presenteou” com fantásticas versões de “Like a Rolling Stone” e “Can You Please Crawl Out your Window?”, além da já citada “All Along the Watchtower”, essa eleita em uma votação como o melhor cover já feito em todos os tempos. A admiração de Hendrix para com Dylan veio a influenciar suas letras, uma capacidade que as pessoas em geral ignoram um pouco, com a qual o guitarrista também deixou na história memoráveis passagens.
Por fim, os palcos. Ali Hendrix demonstrava todo seu poder de fogo. Do rapaz tímido e introspecto nos bastidores, no palco, Hendrix e sua Fender Stratocaster estavam como que em simbiose, numa transa orgânica, que nem sempre é possível distinguir o músico de seu instrumento. A naturalidade e fluidez com que Hendrix ao mesmo tempo em que fazia as bases, os solos e os grooves com sua guitarra, cantava e se chacoalhava todo no palco é algo de encher os olhos, uma verdadeira performance de um artista explosivo, um porta-voz de seu instrumento, cuja música lhe perspassava com um brilho radiante. Seu perfeccionismo aumentaria ao longo dos anos, em performances cada vez mais precisas, porém, sem deixar o senso improvisador de sua música guiá-lo. Existem registros de concertos de Hendrix aos borbotões e incontáveis momentos maravilhosos (alguns singelos exemplos em vídeos abaixo), em que sua habilidade vem à tona da forma mais crua e natural o possível. Por conta de abusos de drogas, alguns momentos ao vivo deixam a desejar, principalmente na parte vocal, mas nada que num todo prejudicasse o espetáculo que sua música causava ao redor. Em Woodstock, mesmo com o monumental atraso do festival e as precárias condições depois das chuvas, ele não deixou a peteca cair, botou pra quebrar e os 40 mil resistentes jovens que o assistiram naquela manhã de segunda-feira, presenciaram um de suas mais intensas performances. De sua “gestação” no palco do Café Wah, onde Chass Chandler o descobriu, até o ponto final no palco do festival da Ilha de Fehman na Alemanha, foi ali onde Hendrix mais brilhou e também ali onde recebeu alguns golpes baixos por parte de seu público, que sempre lhe exigia as já consagradas músicas de seu primeiro disco.
Esta data é uma ótima oportunidade de revisitarmos sua obra e nos divertirmos com os novos lançamentos que tem saído, os que virão e todo o legado fonográfico já existente do gênio da guitarra. Salve Hendrix!
Ronaldo Rodrigues é Colaborador Esporádico