Historico do Rock Progressivo
Há quem diga que deveria chamar-se rock progressista, por ser tratar de um estilo que trouxe evolução musical à linguagem do rock. Mas independente de um ou mais nomes, o advento dos movimentos contraculturais dos anos 60, a influência das drogas alucinógenas e uma congregação de várias formas de arte dentro da temática psicodélica impulsionava novas buscas em todos os sentidos dentro do rock – nos temas, na mistura de estilos, na agregação de influências, na musicalidade, no público.
Esse momento todo de efervescência cultural da juventude no mundo, atraiu a atenção de uma nova geração que, ao mesmo tempo, rechaçava a caretice tradicional dos conservatórios mas não queria fazer o jogo barato da futilidade ou ser simplista na sua expressão musical. O rock progressivo nasceu assim – tanto de um amadurecimento musical do rock, nesse cenário de buscas e inovações, como de uma nova geração que apostou que sua moderna erudição conseguiria atingir a juventude. E atingiu.
Muitos músicos que viriam a formar grupos de rock progressivo já estavam na estrada ao longo dos anos 60, geralmente em combos de rhytm & blues, pop ou jazz. Grande parte tinha formação musical clássica ou jazzista, mas as necessidades materiais e a vontade de exercer o talento superavam os anseios musicais mais profundos. A revolução sonora causada no biênio 66-67 por gente como Beatles, Beach Boys, Moody Blues, The Nice, Jimi Hendrix Experience, Cream, Bob Dylan e tantos outros abriu caminho para novas experiências sonoras. O próprio público anseiava novas coisas, o paradigma geral da época era esse – a imaginação no poder, poder jovem, liberdades individuais, quebra de barreiras, desapego. Nesse período da metade da década, surgem experiências embrionárias de fusão do rock com a música clássica, com o chamado “pop-barroco” e com o jazz em alguns grupos de rock psicodélico. A influência da música regional e étnica também crescia nos grupos, principalmente as sonoridades típicas européia e indiana. E tudo isso, de certa forma, era assimilado pelo jovem público, cansado das canções superficiais sobre amor ou músicas feitas simplesmente para chacoalhar o esqueleto. Os tempos eram pesados – guerra do Vietnã, conflitos raciais nos EUA, revoltas estudantis, ditaduras... E o som urgia representar aquilo tudo, ou pelo menos ser um refúgio às realidades desconsolantes. Enfim, a psicodelia representou a nova era da música, a evolução, o amadurecimento do rock e de boa parte de seu público. E de suas entranhas, surgiu a nova linguagem, em que o senso de busca pelo novo e pela livre expressão era o mesmo, mas a premissa era diferente – musicalmente, alçava-se algo mais avançado e refinado.
Entre 1967 e 1968, alguns trabalhos de proposta bastante avançada são lançados por bandas de música jovem, aos quais posteriormente foram dados os títulos de “precursores do movimento progressivo”. A verdade é que todo um cenário musical da época deu sua contribuição para o estabelecimento sólido da linguagem nos anos 70. Mas é impossível negar a contribuição de determinados trabalhos para esse desenvolvimento, como “Days of Future Passed” do Moody Blues, “Thoughts of Emerlist Jack” do Nice, “This Was” do Jethro Tull, “Absolutely Free” de Frank Zappa & Mothers, “Saucerful of Secrets” do Pink Floyd, o debut do Procol Harum e do Traffic. O jazz também se aproximava do rock através da mente inquieta do visionário Miles Davis. Em 1969, alguns marcos para o estilo ocorreram na Inglaterra – “In The Court Of The Crimson King” do King Crimson, a estréia do Yes e “Aerosol Grey Machine” do Van Der Graaf Generator - trabalhos iniciais de bandas que se tornariam alguns dos principais ícones do movimento. Na cena de cada país europeu, a consolidação do estilo se deu de forma particular. Na Alemanha, a experimentação com novos instrumentos e combinações inusitadas acabou gerando um movimento que privilegiava os climas, as viagens, a vanguarda sonora. O virtuosismo, a influência clássica ou jazzística acabou sendo agregada um pouco mais tarde e de maneira bem peculiar também. Na Itália, o movimento cresceu já influenciado pela primeira geração de bandas inglesas, nos idos de 1972-1973, somado à tradição musical italiana. No norte da Europa, os grupos eram mais miscigenados e bastante antenados com tudo o que rolava no cenário – o rock pesado, o som viajante, o virtuosismo clássico, o jazz.
No fim dos anos 60 e começo dos anos 70, o termo “progressivo” era cunhado para grupos bastante díspares e com propostas bastante diferenciadas entre si. Os grupos, do que hoje se convencionou chamar rock progressivo, ainda estavam definindo suas identidades. Esse ínicio é interessante justamente por isso. Depois de delineado o estilo, alguns grupos se acomodaram em zonas de conforto, o que de certa forma, foi uma maneira de assumir a identidade conquistada.
Unidos por esse posterior senso de categorização, do qual dificilmente os críticos musicais conseguem escapar, os grandes grupos de rock progressivo são bastante particulares em suas sonoridades, temáticas, abordagens e influências. Mas geralmente, consegue-se destacar duas grandes vertentes – a vertente influenciada pelo jazz e a vertente influenciada pela música erudita/clássica. Há quem transite nas duas. E também há prodigiosos grupos que não são nem uma coisa nem outra. O termo hoje coleciona diversas visões para a proposta artística e experimental do rock – fusion, prog eletrônico (raiz da música eletrônica), space-rock, zeuhl, RIO (rock in oposition), kraut-rock. Rock progressivo é um termo que sempre remete à vanguarda, à inovação, à ousadia musical. Som para fazer a cabeça. A interação com outras formas de arte é notável na linguagem progressiva – a arte gráfica das capas dos discos, cenários, iluminação e figurino dos músicos, a teatralidade das performances, a poesia nas letras das canções, a literatura e a filosofia como expressão dos conceitos dos álbuns.
Entre 1972 a 1975 grupos como Yes, Gentle Giant, King Crimson, Pink Floyd, Camel, Genesis, Focus, Mike Oldfield e Emerson Lake & Palmer entre outros, viveram seu ápice criativo e comercial. O movimento, que é majoritariamente europeu, teve repercussão mundial, na América Latina e do Norte, na Eurásia, no Japão, na Austrália. Era a onda do momento – de jingles de TV à programação das rádios, tudo aspirava capturar aquela sonoridade. Estilos como o jazz, o funk, o pop e o soft-rock queriam morder um pedaço daquele saboroso filão cheio de possibilidades, sempre se aproximando e captando algo daquele estilo. De certa forma, o ápice do rock progressivo foi um momento perigoso. Os trabalhos das grandes bandas passaram a ficar cada vez mais pretensiosos e minimalistas. Músicas longas, discos com uma única canção, longas passagens instrumentais, temáticas extremamente distantes da realidade em álbuns conceituais, som quadrafônico, ruídos, experiências sonoras e outros “exageros” (no dizer dos rechaçadores de plantão) suscitaram movimentos de resposta à estética progressiva. Enquanto o declínio de popularidade parecia despontar no horizonte dos grandes grupos, com o advento do movimento punk e da disco-music, nos países periféricos (das regiões citadas) o caldeirão sonoro-progressivo estava a todo vapor.
Nos anos 80, as idéias e ideais dos anos passados pareciam estar desgastadas. O “show bussiness” também avançou para cima dos grupos e dificultou a abordagem de outrora. O estilo passou a enveredar novos caminhos e se adaptar aos novos tempos e anseios do público, mas a popularidade e relevância de antes nunca mais foi atingida. Não se pode contar tudo de maneira generalizada, sempre houve e há até hoje (independente da época em que surgiram), grupos que honestamente buscam novas sonoridades sem se importar muito com o que se foi ou com que se passou, guiados pelo mesmo espírito ousado do auge do estilo. O tempo, com certeza, trará o devido reconhecimento aos heróis.
Ronaldo Rodrigues é Colaborador Esporádico