Elias Mizhrai (Veludo)
As conversas se iniciaram ainda em 2009. Fui “descoberto” pelo cara através de uma divulgação do meu programa de rádio “Estação Rádio Espacial” que chegou até ele. No contato de volta, começamos a trocar figurinhas e foi onde tive oportunidade de conhecer um dos heróis do progressivo brasileiro, underground e setentista – Elias Mizhrai, tecladista e principal compositor do lendário Veludo. Entre o papo na dimensão “tele” e o papo na dimensão real, correram vários meses. Mas o vácuo só serviu para aperfeiçoar a conversa e dela tirar melhor proveito, ao ouvir deliciosas histórias deste grande músico e de sua trajetória, permanentemente em construção.
Assim como a música do Veludo, repleta de variações, inconstâncias, elementos surpreendentes e poucos convencionais, não esperem que a dinâmica da conversa flua como uma entrevista qualquer de perguntas seguidas de respostas. Ambas, por vezes, se misturavam idas e vindas e saltos no tempo, flashes e recordações, num ambiente bem descontraído, que ajudarão a tornar mais rico o legado do Veludo e do talento de Elias.
Naquele apartamento da Zona Sul do Rio, a história foi começando a ser contada, sem preocupação com início ou meio sem fim, remetendo a tenra infância, na época em que Elias fazia malabarismo aos cinco anos para alcançar o piano de sua mãe. O garoto Mizhrai, levado, quebrava os LPs de Tchaikovsky da coleção dos pais e por isso mesmo, sua família o mantinha distante do piano, temendo que o instrumento tivesse o mesmo fim. Começou a pegar algumas lições com a irmã, Florinda, a quem considera como um “guru espiritual”. Seu estudo de piano se estendeu até os 12 anos, quando passou ao violão e daí para suas primeiras bandas e composições.
A primeira experiência citada por Elias foi a banda Antena Coletiva. “Um dia o telefone do apartamento onde a gente ensaiava tocou. Paramos de ensaiar e quem ligou perguntou: Aí é da Antena Coletiva? Não é, mas pode ser! E aí ficou o nome, o prédio tinha uma antena enorme em cima”. Isso por volta de 72. Elias ainda se lembra de seus companheiros de banda – era Nelsinho no baixo, Barroco na guitarra e Ricardo Strauss na bateria, um chileno que não era chegado em nenhum tipo de piração. Também passaram pela banda, em algum momento de sua curta história, Jacques Morelenbaum (A Barca do Sol) e Olyvia Byington. A faixa Antenorium II, uma das poucas que existem registradas no disco ao vivo do antigo Veludo, veio como seqüência de um tema já trabalhado pela Antena Coletiva. “Um belo dia, a galera ofereceu uma taça de vinho para o Strauss. Ele tomou e pirou. Subiu na bateria e disse que estava tudo acabado. Quebrou a bateria e se mandou. E a gente tinha show marcado. Ficamos embasbacados, não entendemos nada”. Elias conta que ficou desiludido com a ocasião.
Zé Rodrix, já nos idos de 73-74 saindo como artista solo, veio ao Rio para um show no Teatro da Lagoa. Porém, sem seu tecladista. Convidaram então Elias para assumir o posto. Chegando ao teatro para o ensaio, foi na ocasião que conheceu o amigo e parceiro Paul de Castro (de quem sempre fala com muita reverência), que acompanhava Zé Rodrix na época. “O pessoal ficava testando os instrumentos e eu queria que todos os outros músicos ficassem em silêncio para que eu pudesse ouvir melhor o Paul na guitarra. Ele fazia umas coisas fantásticas pra passar o som. Ali daqueles testes de som, a gente chegou a compor um tema instrumental (risos)! De cara, eu saquei a alquimia entre a gente”. Paul era paulista, mas tinha se mudado alguns anos antes para o Rio, tendo tocado na banda Veludo Elétrico, que segundo Elias, era um grupo que carecia de direcionamento. “Não era nem banda de clube, nem banda progressiva”. O Veludo Elétrico teve em seus quadros o pessoal que viria a formar o Vímana. “Aí perguntei para o Zé: quem é aquele cara na guitarra? Ele disse... ah, é o Paulinho... (ao que o guitarrista bradou) ...Paulinho não, Paul”. Elias considera Zé Rodrix uma grande influência pessoal. Zé Rodrix se ligou, pelo ensaio e pelo show, que rolaria uma boa química entre os dois e segundo Elias, propositalmente chegava atrasado aos ensaios que se seguiram. Nesses atrasos, confabularam o Veludo.
A estréia da banda ocorreu depois de apenas 15 dias de ensaios, no Teatro João Caetano, em outubro de 74, juntos d’O Terço e os Mutantes. “Aquilo foi uma tremenda festa! Um show imenso, o maior (em termos de duração) que eu participei”. O empresário Nélson Motta deu grande apoio a banda, sendo que o Veludo foi uma das poucas bandas brasileiras que apareceram no lendário programa Sábado Som da TV Globo. Segundo Elias, a música Egoísmo foi a primeira que apareceu lá. “Até hoje procuro alguém que tenha registrado isso” (N.E: nós também!).
Em seguida, veio o show no Hollywood Rock e outras duas ocasiões muito importantes – no Teatro Tereza Raquel com a participação do tecladista Patrick Moraz (Yes) e a abertura do show de Bill Halley no Maracanãzinho. “No Maracanãzinho foi um desastre. Nos deixaram sem P.A, a gente inventou um samba improvisado lá na hora, enfim... Depois o Ezequiel Neves nos detonou pelas costas, na revista Rock (A História e a Glória)”. As já conhecidas dificuldades do Veludo em conseguir gravar um disco de estúdio convergem com uma opinião forte de Elias: “Nunca tive contrato por uma questão de opinião”.
A carreira de compositor seguiu pós-Veludo, e seus ecos estão escondidos em trabalhos famosos que passearam por FM’s, AM’s e TV’s do país, os quais, com muita reserva, Elias comenta. Nos anos 80, ele relembra algumas hilárias aventuras no EUA, onde ganhou uma bolsa na Juilliard School of Music. “Eu fui, mas estudar lá era um porre. Não agüentei. Aí sai pra rua, toquei panelas com um grupo de percussionistas latinos, dei uma canja no Central Park tocando piano e faturei uma bela grana só passando o chapéu. Cantei uma vez também com um daqueles típicos corais gospel, com 7 vozes divididas, foi uma temporada bacana.”
Mais recentemente, houve a “Re-Volta” do Veludo, com o disco lançado em 2001 e Elias segue trabalhando, seguidamente produzindo som com seus instrumentos. “Acho que chegou a hora do meu nome ficar mais em evidência.” Seus parceiros atuais são o baterista Gustavo Schroeter, o mesmo que o acompanhou no início do Veludo e o guitarrista Marcelo Sussekind.
Entremeado na punjante empolgação do entrevistado, era impossível para eu registrar tudo no papel. A mente nos prega peças, ficam as imagens, mas as palavras acabam por se perder. Muitos detalhes ficaram no momento, que ainda o destino me permitiu “tirar um som” com ele, ao que fica minha imensa estima. E também a estima de poder contribuir para enriquecer o legado do Veludo, no mesmo espírito que prega uma de suas canções – “Pra manter acessa a chama da vida, às vezes perdida.”
Ronaldo Rodrigues é Colaborador Esporádico