Hatefulmurder: Renascidos e com um futuro promissor
Fotos: Alessandra Tolc (@alessandra_tolc)
Em 15/12/19, o Hatefulmurder se apresentou na Fabrique antes do Angelus Apatrida e após Delinquentes, Blasthrash e Desalmado. Ao resenhar o show para o site Onstage, chequei o conteúdo com membros de cada uma das quatro bandas nacionais e quis o destino que o guitarrista do grupo carioca se mostrasse o cara mais gente fina em todas as vezes que este escriba precisou apurar alguma informação com um músico. Transcorrido pouco além de um ano, chegou a hora de recontatarmos Renan Campos para ver a quantas anda o quarteto completado por Angélica Burns (vocal), Felipe Modesto (baixo) e Thomás Martin (bateria). Como o papo é longo, puxe um assento, pegue uma gelada, ligue um som – Reborn (19), de preferência – e divirta-se:
Vagner Mastropaulo: Renan, obrigado por ter aceitado nos conceder esta entrevista.
Renan Campos: Satisfação máxima!
VM: Tivemos oportunidade de conversar quando vocês tocaram na Fabrique, te indaguei sobre o significado de “Hatefulmurder” e até vou copiar sua explicação: “É um termo usado pela perícia da cidade de Baltimore. Quando eles chegam à cena de um crime e é algo muito brutal, eles escrevem ‘Hatefulmurder’”. O que não me ocorreu de perguntar no dia foi quem teve a idéia de assim batizar o grupo e onde o termo foi descoberto.
RC: Legal! Essa idéia veio do nosso antigo vocalista, Felipe Lameira. Na época, a banda conversou sobre alguma coisa que tivesse um significado forte, ele pesquisou, trouxe algumas opções e essa foi a que a galera toda curtiu, inclusive eu [risos]. Hoje não sei se escolheria esse mesmo nome [risos]. Mas a gente sabe que é bem forte e traz muito do que a gente quer transmitir em nossa música.
VM: Agora fui pego de surpresa: rola algum tipo de arrependimento quanto à escolha? Se fosse para começar outro grupo hoje, que nome você daria? Acho até normal um músico ter outras opções guardadas na gaveta, caso surja algum projeto, por exemplo.
RC: Arrependimento não, mas talvez um nome que as pessoas de nosso país soubessem pronunciar com mais facilidade [risos]. Ou talvez algo voltado ao que falamos, sentimentos que abordamos do psicológico humano. Tudo bem que o ódio faça parte disso, mas falamos muito além de apenas ódio. Em tese, algo que fosse mais fácil de as pessoas pronunciarem.
VM: Antes de entrarmos em questões mais específicas, uma genérica: como a pandemia afetou vocês diretamente?
RC: Tínhamos uma turnê pelo Nordeste, que acabaria no Abril Pro Rock, umas datas pelo Sudeste, inclusive uma em São Paulo no Hangar 110 (com Sinaya e Paura) e outras aqui pelo Rio e em Minas Gerais. E em outubro faríamos nossa primeira turnê na Europa. E foi tudo adiado.
VM: Não que os shows no Brasil sejam menos importantes, mas o adiamento de uma primeira ida ao Velho Continente deve ter sido um desalento. Como vocês receberam a notícia?
RC: Quando tudo começou, a gente achava que ainda rolaria fazer. Pensávamos que em outubro as coisas já estariam contornadas. Aos poucos fomos percebendo que não ia rolar e a ficha só caiu de fato, para mim, pelo menos, no próprio mês de outubro, com aquela sensação de: “Puta que pariu! Agora estaríamos tocando pela primeira vez na Europa...”. Mas, paciência, tudo em seu tempo. Vamos trabalhando como podemos.
VM: Por onde vocês passariam? A turnê segue reconfirmada, porém sem data certa ainda?
RC: Já tínhamos umas datas marcadas, algumas ainda iriam se confirmar. Eu me lembro que era algo na Alemanha, Itália, República Tcheca e acho que Holanda. Seriam doze ou treze shows em quinze dias. Ainda não temos o período/mês com exatidão, mas já estamos vendo isso com o nosso booking, a Xaninho Discos.
VM: Até houve uma curta retomada de shows em São Paulo em outubro e novembro, com as casas adotando medidas de segurança após a flexibilização, mas tudo já parou de novo com o aumento nos casos de Covid e após as eleições. Na prática, o final de semana de 13 a 15/03 foi o último com apresentações por aqui e cobri três para a Onstage: The Toasters (Sesc Belenzinho), The Hellacopters (Carioca Club) e Between The Buried And Me (Fabrique). E vocês também estavam pela cidade.
RC: Nesse fim de semana, a gente esteve no estúdio Family Mob gravando o Canal Scena no sábado, 14/03.
VM: Se não me engano, era para vocês terem feito um show aqui também nesse mesmo final de semana. Onde seria? Quem mais estaria envolvido? E como ficou esse evento?
RC: A gente tinha uma data dia 15, mas o contratante preferiu não fazer e me falou: “Cara, acabaram de marcar D.R.I. no Carioca [nota: headliner do Overload Beer Fest, após Cerberus Attack, Manger Cadavre?, Desalmado, Surra e Periferia S.A.], já vai ter um show na Fabrique e então prefiro fazer mais para frente”. E falei: “Está certo, claro. Por mais que São Paulo seja grande, não tem necessidade. Dá para confirmar mais para frente”. Como não rolou, não tenho mais tanta certeza, mas acho que seria na Jai Club e que ia ter Vulcano também.
VM: Já que você tocou no assunto, assisti a essa apresentação de vocês no Canal Scena. A primeira coisa que saltou aos olhos foi constatar como a comunidade metal é unida, no esquema “faça você mesmo”: você usa camiseta dos Delinquentes; a apresentação e o roteiro são de Caio Augusttus, vocalista do Desalmado; Estevam Romera, guitarrista do Desalmado, assina a direção e co-opera as câmeras, junto a Nata de Lima, frontwoman do Manger Cadavre?, e que também está a cargo da comunicação e produção; sem contar que a bateria de Reborn foi gravada no próprio Family Mob. É praticamente uma irmandade e tenho certeza que vocês vão organizar um show no Rio assim que der e essas bandas vão abrir o rolê em retribuição.
RC: Cara, o trabalho ali do Scena e no Family Mob é incrível! Além da galera das bandas que você citou, temos o Otavio pilotando as mixagens e o Ed Chavez, da Crexpo, e mais uma galera por trás. Peço perdão por não me lembrar de todos os nomes, mas é um pessoal muito competente que faz a coisa com muito carinho. E quanto a um show no Rio com eles, já fizemos um para o lançamento de Reborn em 12/10/19. Foi um evento “auto-produzido”, pois nós mesmos organizamos tudo e trouxemos Desalmado e InRaza, que também é de São Paulo.
VM: Ainda sobre a performance para o Canal Scena e a união da cena, com o perdão do trocadilho, na primeira parte da conversa, Angélica falou do crowdfunding que fez Reborn sair do papel e você completou: “Aproxima a banda das pessoas que apóiam. A gente ficou amigo das pessoas, criou um grupo no WhatsApp, fala com os caras, tem um contato mais direto com o cara que apóia a banda. Isso é muito foda para o underground. (...) E nos deu responsabilidades, como banda. Acho que isso foi bem legal e cada um pegou uma coisa para fazer”. Enfim, o que exatamente cada um fez e ainda faz? Pergunto porque, misturando tudo, vocês são realmente bastante acessíveis, esta entrevista é prova cabal, acordada sem intermediação de assessoria de imprensa, e você mesmo já havia me contado, após o show na Fabrique, que a parte do contato com os fãs ficou com a Angélica e o Modesto enquanto você cuidava de outra coisa.
RC: Verdade! Cada um cuida de uma coisa. Sempre foi assim porque não dá para alguém fazer tudo, senão você acaba pirando [risos]. Cara, não me lembro exatamente o que cada um fez daquela vez, até porque não há definições ou funções específicas para cada um a vida toda. Acho que foi assim: o Thomás e a Angélica pilotaram a campanha na internet; fiz da minha casa um depósito de tudo [risos], além da decupagem dos vídeos que levei para editar – fui editando com a Gabby Vessoni, na verdade; o Modesto fez um pouco dos correios, cuidou da organização de quem eram os apoiadores (lugares e CEPs), tudo no Excel. Não me lembro exatamente de todas as funções, mas é sempre meio assim, com todo mundo fazendo um pouco de tudo.
VM: Pelos lançamentos, turnês já feitas e bandas com quem já dividiram palco, vocês não são mais uma banda iniciante, logo, não os vejo como “underground”, termo que você mesmo usou, até porque já são mais de dez anos de estrada. Por outro lado, vocês ainda estão galgando espaço nas “prateleiras de cima”, por assim dizer. Enfim, como vocês mesmos se enxergam no meio desse caminho, se é que você concorda com essa análise?
RC: Exatamente isso! Acho que desde 2015, quando voltamos da turnê sul-americana com Warbringer e Nervochaos e o ano de entrada da Angélica, a gente decidiu levar a coisa mais a sério. Trocamos de vocalista e mudamos de postura também, saca? Então, virou meio que um trabalho e a resposta está no público. Sentimos que mais pessoas passaram a acompanhar a gente com as turnês e shows, até exaustivos. Somos daquela filosofia: “uma banda se faz na estrada”. Nossos heróis e heroínas na música fizeram o que fizeram assim, então já viu né? Fizemos uma boa captação de público botando a cara na estrada, mas sim, ainda há muito a conquistar. Quando comecei essa banda, meu sonho era gravar uma demo. E hoje vejo fotos e vídeos do Andreas Kisser usando nossa camiseta em shows do Sepultura, convidando a Angélica para gravar uma música com eles para o SepulQuarta. É surreal, saca?
VM: Ao mesmo tempo, nenhum de vocês vive exclusivamente da banda. Seria importante dizer o que cada um faz profissionalmente para se manter, até para quebrar a ilusão que alguém ainda possa ter sobre o glamour de estar num grupo até ele efetivamente estourar...
RC: Verdade, não vivemos de Hatefulmurder! Acho que, dos quatro, sou o único que tem emprego por causa da banda [risos]. Dou aula de música numa escola aqui no Rio, um centro musical, por indicação de uma amiga que conheci através da banda, o que me dá certa flexibilidade de horários e também me deixa mais perto do que tenho a fazer, que é tocar guitarra. A Angélica é jornalista de formação e trabalha com mídias de um canal de televisão. O Thomás é proprietário de um estúdio de pole dance e o Modesto é o cara da TI que trabalha numa empresa fazendo essas loucuras aí de “010101” [risos].
VM: Pole dance? Da próxima vez, farei entrevista com o Thomás [risos]! Enquanto isso, tentando manter a seriedade e ainda sobre atividades profissionais, como vocês quatro fazem para conseguir estar disponíveis para turnês mais longas, principalmente como a européia?
RC: O Thomás e eu temos uma flexibilidade maior, pois somos autônomos. O Modesto e a Angélica precisam agendar férias. Todo ano a gente tem longas conversas sobre datas de turnê devido às férias deles [risos].
VM: O Modesto é realmente modesto, quase não falou nas duas partes da entrevista do Scena. É sempre assim? John Myung (Dream Theater) também é bem reservado e isso só não é um “mal de baixista” porque Heros Trench (Korzus) engrossa o clube, mas é guitarrista... [risos]
RC: Ainda bem que ele falou [risos]. Na verdade, o Modesto é um cara super tranqüilo, gosta muito de uma cerveja e não dispensa um churrasco [risos]. É o nosso tiozão!
VM: Vocês têm uma banda de metal na terra do funk, e não o norte-americano. Só por isso, vocês já são heróis! Brincadeiras à parte, como é viver o dia-a-dia numa realidade musical tão distante do padrão vigente?
RC: Cara, acho que toda forma de arte legítima é válida. Antes rolavam mais atritos de parte a parte – a gente brigava mesmo. Hoje em dia, a galera cresceu e sabe admirar o melhor do outro, mesmo que seja fora de seu habitat natural. Sabemos que nossa música não é para as grandes massas porque metal é música de nicho – e tudo bem quanto a isso, pois tem uma galera bem leal e fiel que acompanha.
VM: Expandindo um pouco o tema, recentemente entrevistei Jack Doolan (Cypher16) e o questionei sobre a dificuldade em ter uma banda na cosmopolita Londres, recheada de atrações internacionais por lá se apresentando, do pop ao metal extremo. Ele classificou a própria cidade natal como “traiçoeira” e cravou: “Por que você iria nos ver num pub se o Metallica está tocando no final da rua? Madonna, U2, quem você quiser, todas as noites”. E foi além: “É a total supersaturação do mercado artístico, o que é ótimo se você não for um músico, mas é difícil quando você está tentando bancar sua carreira”. No Rio de Janeiro, não há a mesma fartura de shows de metal de São Paulo, mas eles acontecem, além de existir uma cena rock bem ativa, embora underground – aprendi sobre ela falando com Neube Brigagão (Seu Roque), cobrindo a abertura deles para o Living Colour no Circo Voador em 13/06/19. E você citou um evento não-confirmado por aqui para fugir da concorrência com outros dois, por mais que fossem as datas-limite do pré-pandemia. Como é lidar com esse cenário, local e nacionalmente falando?
RC: O Rio de Janeiro é realmente uma cidade menor se formos comparar com São Paulo e outras metrópoles, apesar de sermos uma metrópole também. Realmente os shows não são tão fartos e não são mais lotados, apesar de já termos tido grandes eventos aqui. Inclusive, o maior festival de música do mundo acontece aqui no Rio, mas é algo voltado para toda a cadeia turística, enfim... acho que, na verdade, não buscamos ficar presos só ao Rio de Janeiro. Somos daqui, nascemos e moramos aqui, mas fazer turnês e tocar “por fora” é muito mais interessante para uma banda que busca expandir sua música e levá-la a outros lugares e a outras pessoas que sejam de fora de nossa região. Posso dizer que já fizemos shows memoráveis aqui no Rio, que vamos guardar para sempre, mas também já fizermos shows e turnês passando por lugares a que nunca imaginei chegar... coisas incríveis que a gente fez e nos botou para pensar: “Cara, que legal! Onde a gente está?”, longe e amarradões com as pessoas conhecendo nossa música. Então, para nós, vale mais a pena levar a música para onde é mais difícil chegar e, no Rio, preferimos fazer uma festa, um lançamento, quando é mais sazonal e pontual.
VM: Em 08/05, vocês soltaram o clipe de “Reborn”, “uma série de imagens que tínhamos da banda ao vivo e viajando. Fizemos um clipe justamente para relembrar esses momentos de turnê, de estrada, que a gente gosta pra cacete!”, conforme você me relatou por WhatsApp. Duas perguntas a respeito: por que a opção de formato todo em preto e branco e quem fez a edição, que é bem caprichada (deve ter dado um trabalho do cão)?
RC: Optamos por usar preto e branco para remeter ao sonho de voltar a viajar e os sonhos são em preto e branco [risos]. Brincadeira, brother, é só uma questão de qualidade mesmo. Juntamos imagens de média, alta e até de pouca qualidade e, para não ficar meio destoante, preto e branco funciona bem. A edição é da Gabby Vessoni, fui cortando os trechos dos shows, decupando e aí mandei para ela.
VM: Em Reborn, o álbum, nota-se a sutil inserção de elementos eletrônicos, como sons de teclado na faixa-título. Como vocês os disparam ao vivo sem o instrumento no palco?
RC: A gente usa o som em sample. Como tocamos com o click, o metrônomo, fica tranquilo de usar. O show é como se fosse uma cena num programa com os clicks e samples, mas há músicas em que não usamos o click, para deixar a coisa mais orgânica.
VM: Vocês fizeram uma porção de lives para festivais. Como elas funcionam? [nota: uma lista com todas essas participações online do Hatefulmurder encontra-se no final desta matéria]
RC: Fizemos umas oito ou nove dessas lives de festivais. A gente grava tudo de casa, faz os vídeos e envia. Ou, às vezes, a gente nem grava, pega algumas coisas e faz o que chamamos de “vídeo performance”, tocando a música com o áudio original.
VM: Para o músico, não é esquisito fazer uma “live” que, na verdade, não é ao vivo?
RC: É muito estranho! Serve para apresentar a banda, né? Mas não é live. Porém, dentre essas “fake-lives”, fizemos uma que foi, de fato, um show transmitido ao vivo.
VM: Nessa série de festivais online, vocês tiveram a manha de participar de dois no mesmo 16/08: o Tomarock, do Rio de Janeiro; e o argentino Heresy Online Fest 2. Como esse festival gringo “descobriu” vocês e os procurou? [nota: para ver o Hatefulmurder “fechar” o quarto dia a partir de 3h08’18”, clique aqui.
RC: Como é tudo gravado, dá para participar de vários no mesmo dia [risos]. Sobre o Heresy, eles entraram em contato e foi bem legal. O lado bom desse lance de quarentena é que todo mundo foi para a internet, o que nos apresentou a muitas pessoas que não nos conheciam.
VM: Como divulgação do Heresy, quatro dias antes da participação da banda, você conversou com Freddy Canosa, para o site espanhol Headbanger. Como foi dar essa entrevista? Se fosse em inglês, teria sido mais fácil?
RC: Estranhão, né? Trocar idéia assim pelo Skype em espanhol... não sou um dominador do idioma, mas a gente fala. Namorei uma menina do Chile, então dá para trocar uma idéia legal. No começo, é meio engessado, mas depois sai. Se fosse em inglês, eu estaria fodido [risos].
VM: Por falar em idiomas, o single de “Engrenagem” (18) é uma collab com Jimmy London (ex-Matanza) e foi a estreia de vocês cantando em português. Em Reborn, ainda há: “Santificado Seja O Meu Ódio”, inteiramente em nossa língua; e “Sentimentos Artificiais”, quase toda em inglês, mas com refrão em português. Como vocês escolhem qual idioma será usado numa parte instrumental específica que depois virará uma música completa?
RC: Depois de “Engrenagem”, a gente sentiu que rolava aceitação em português e aí fiz a letra de “Santificado” e o Thomás a de “Sentimentos”. Mas depois da pré-produção, preferimos deixar uma só em português e manter só o refrão em “Sentimentos”. Já meio que conheço como a Angélica coloca as palavras, então sempre escrevo pensando na interpretação dela. É provável que role mais, é só a gente sentir que dá, mas também não é um recurso que queremos forçar.
VM: Músicas, aliás, podem surgir das mais variadas formas. Dentro do padrão de vocês, como elas são compostas? É a partir de um riff? De uma levada na batera? Do conceito de uma letra? Como funciona essa parte?
RC: Na maioria das vezes, começo a idéia de uma harmonia ou com a guitarra através de um riff. Depois de “me entender” com as maluquices que me ocorrem, me reúno com o Thomás, trabalhamos na estrutura e, por último, juntamos a banda e vamos tocando para sentir como fica. Mas isso não é uma regra, pois já houve situação de eu “travar” e o Modesto surgir com um puta riff e salvar a música [risos]. Sempre peço a todos para escutarem e darem idéias antes porque a opinião de “ouvintes” é fundamental, algo diferente da opinião do instrumentista que compôs e gravou a idéia, saca? Sobre as letras, a Angélica escreve quase sempre. Somente no Reborn que meti mais a mão, mas a maioria esmagadora das letras fica com ela, que as desenvolve em cima das idéias de métricas que fazemos e tem funcionado bem assim.
VM: Perguntas mais pessoais agora e/ou um tanto desconectadas entre si: com que idade você começou a tocar guitarra? E foi através de aula ou passou a tocar intuitivamente?
RC: Comecei com um violão, como qualquer adolescente, por volta de doze ou treze anos de idade e com um amigo do bairro me ensinando trechos de riffs. Depois fiz alguns anos de aula com um professor cujo nome nem me lembro [risos] e, alguns anos mais tarde, retornei com outro professor, que foi meu mestre, o já falecido Daniel Romani, guitarrista e vocalista da Módulo 1000, da década de setenta. O cara me ajudou muito, fiz aula com ele por uns cinco anos e estudava direto. Depois parei, voltei e interrompemos as aulas de novo, mas ficaram a amizade e a eterna admiração. Daí para frente, já fui pesquisando por conta e aprendendo nos rolês também, algo que faço até hoje.
VM: Quais suas maiores influências como guitarrista (não necessariamente elas precisam ser parceiros de instrumento)?
RC: Vixe... é muito difícil fazer uma lista curta, mas vamos tentar: Andreas Kisser (Sepultura), Vogg (Decapitated), Brent Hinds (Mastodon), Joe Duplantier (Gojira), Scott Ian (Anthrax), Gary Holt (Exodus), Mille Petrozza (Kreator) e Michael Amott (Arch Enemy). São basicamente os compositores do metal.
VM: Por que vocês optaram por deixar o endereço do Facebook como “hatefulbook”, em vez do nome da banda mesmo?
RC: Cara, isso tem tantos anos que eu mesmo já não sei explicar. Acho que queríamos associar tudo que fosse da banda à palavra “hate” [risos].
VM: No show da Fabrique, vocês tocaram músicas de Red Eyes (17) e de Reborn, os dois plays já com Angélica. Mas ainda com Felipe Lameira, há No Peace (14) no catálogo. Há planos de incorporarem essas músicas no setlist, adaptadas, é claro, ao vocal feminino?
RC: A gente tocava algumas músicas do No Peace com ela. Na verdade, há algumas que a gente curte muito e é bem capaz de voltarem ao setlist, de repente com um novo arranjo. Ou quem sabe a gente não regrava? Músicas como “Worshipers Of Hatred”, “Black Chapter” e a própria “No Peace” faziam parte do nosso setlist.
VM: A propósito, na transição entre vocalistas, por que vocês optaram por um novo direcionamento com uma frontwoman? E como chegaram à Angélica?
RC: Na verdade, nosso ex-produtor a indicou. A gente se conhecia de rolês, ela chegou a ter outra banda e já havíamos tocado juntos, aliás. Passados alguns anos, nem sabíamos se ela ainda queria voltar aos palcos e viver essa vida doida. Para nossa sorte, ela queria muito voltar! E, olha... a gente pensou em muitos nomes, conversamos com muitos outros vocalistas, mas ela foi o único ser humano que demonstrou total interesse em viver essa maluquice com a gente [risos]. Os outros não pareciam estar tão dispostos, conversamos com ela e, quando fizemos o teste, senti na hora: “Achamos nossa vocalista!”. A escolha não poderia ter sido melhor.
VM: Por conta do vírus, na prática vocês quatro ficaram quanto tempo sem tocar juntos?
RC: Antes dos ensaios e da própria live em setembro, nosso último encontro foi no fatídico fim de semana do início da pandemia. Gravamos o Scena em São Paulo em 14/03 e dois dias depois já estava rolando o lockdown na segunda-feira, algo muito doido! Depois voltamos a nos encontrar para ensaios em setembro, como citei. Acho que foram uns seis meses sem nos encontrarmos e, para ser honesto, tudo isso tem sido uma grande merda! Além de as pessoas estarem morrendo, muitos perderam seus empregos e suas fontes de renda...
VM: E em circunstâncias normais, com que frequência vocês ensaiariam?
RC: Quando temos uma turnê, sempre fazemos de três a quatro ensaios antes do primeiro show. Funciona bem, pois está tudo fresco. Além dos ensaios semanais regulares e reuniões de composição, estar tocando junto é sempre fundamental para o entrosamento. A atual formação está junta há cinco anos e como sempre estamos tocando e viajando, a rotina de ensaios é pautada em alguma tour, mini-tour, sequência de shows ou reunião de composição.
VM: Voltando à cronologia, comandado por Eloy Casagrande, Angélica participou do SepulQuarta #18 em 19/08, com Fernanda Lira (Crypta) e Mayara Puertas (Torture Squad) [nota: não deixe de conferir “Hatred Aside – Quarentine Version” com o Sepultura e as três vocalistas]. A pauta passou por perrengues pelos quais as mulheres integrantes de bandas infelizmente ainda passam na cena, embora sejam atos esporádicos. As três relataram situações às quais homens nunca precisam se submeter. Vocês três já precisaram interceder em defesa da Angélica? Qual a experiência mais bizarra que vocês testemunharam nesse sentido?
RC: Por incrível que pareça, a única “gracinha” que me lembro de termos ouvido uma vez foi um comentário idiota do tipo: “Pega lá o microfone de menina”, por parte de algum técnico da empresa de backline que estava trabalhando no show. Mas a Angélica já deve ter escutado outras merdas. Olha, acho que, pelo fato de haver três homens na banda, a galera segura a onda nos comentários imbecis, ou seja, quem fala merda é covarde e cuzão mesmo. Será que seria assim se fossem quatro mulheres? Fica aí minha dúvida. Talvez a Fernanda Lira possa responder.
VM: Em 31/08, vocês disponibilizaram um vídeo de “The Philosopher” (Death), com participação de Celo Oliveira, e o cover tem tudo a ver com a sonoridade de vocês. Deu trabalho chegar à essa escolha? De quem foi a idéia?
RC: A idéia foi do Celo, nosso produtor no Reborn. Ele sugeriu que a gente gravasse algo que todos curtíssemos e fosse mais “metalzão” e topamos! A Angélica já sabia a letra de cor e todo mundo já tinha tocado essa música na vida então foi meio que no feeling, na verdade.
VM: E como rolou o convite ao Celo Oliveira?
RC: Ele é nosso “brother-produtor”. Tirando a bateria do Reborn, gravada no Family Mob, o Celo gravou, mixou e masterizou as vozes e vem gravando nossas guitarras e baixo, digo, “pilotando o hack”, desde Red Eyes. Ele virou um parceiraço da banda em estúdio e também é muito fã de Death. Então fiz questão que ele participasse e disse para ele: “Pô, segura essa onda aí nesse primeiro solo, você que é fã do Chuck!”. Ele topou e ficou super legal.
VM: Em 26/09, rolou a primeira edição do projeto “Be Magic Convida” no HR Live Sessions, na realidade, a primeira live integral apenas com o Hatefulmurder. Como foi preparar tudo? Suponho que aí a pressão era maior, pois se algo desse errado, a barra de vocês é que pesaria exclusivamente...
RC: Sendo honesto? A gente estava com muita saudade de tocar. Dois dias antes da live, fizemos dois ensaios com a banda completa, fiz dois ensaios só com o Thomás para alinharmos algumas coisas e super rolou. Sempre há aquela adrenalina, é natural e, inclusive, tem que ter. Na verdade, ficamos super amarradões em fazer e deu tudo certo.
VM: Entrevistei Marcello Pompeu (Korzus) e, sobre a live deles no Manifesto, ele revelou: “Não queríamos fazer essa live como se fosse um show, pois não tinha galera. Resolvemos fazer como se fosse um ensaio transmitido para o Brasil, bem normal e com as zoações e piadas que fazemos uns com os outros”. Também sem público, com que espírito vocês a encararam?
RC: Concordo com o Pompeu! Não há como pensar em fazer show sem público. É meio fora da realidade, pois show precisa de troca de energia para ter aquela vibe. Pensamos igual: ensaio ao vivo e bate-papo em tempo real para a galera participar. Acho que esse é o espírito.
VM: Os cortes entre as faixas me confundiram um pouco. Fiquei sem entender se tudo rolou ao vivo mesmo ou se houve edição. Houve intervalos entre as músicas?
RC: Foi super ao vivo! Os cortes de câmera são em tempo real. Uma estrutura muito legal no Estúdio HR.
VM: Na live, indagado sobre seu show favorito já feito, o Thomás escolheu a abertura para o Killswitch Engage no Chile... como vocês foram parar lá? Cheguei a ver os caras aí no Circo Voador, mas em 24/08/14, com Memphis May Fire e Battlecross tocando antes.
RC: Essa história é muito boa! Já tínhamos umas datas marcadas pelo Chile e seria nossa primeira vez fora do Brasil. Faltando alguns meses para embarcarmos, abrimos para o Voivod no Rio e em Belo Horizonte. O tour manager deles, Hector, é chileno, viu que estaríamos indo para lá, onde é produtor, e pintou o convite para fazermos essa data. Foi simplesmente sensacional e, inclusive, a gente também estava nesse show do Circo Voador, mas só assistindo [risos].
VM: Falei tanto do show na Fabrique e ignorei que a primeira vez que os vi foi no Matanza Fest, no Tropical Butantã em 22/07/17, com Muzzarelas, Inocentes e o próprio Matanza. Lá já notei que você e o Modesto revezavam os backing vocals em momentos específicos. Não dá vontade de gravar algo experimental com vocês cantando, só por farra, como um b-side?
RC: Esse dia foi muito massa! A gente curte muito o vocal da Angélica, mas no dia em que aprendermos a cantar, vai rolar algo, com certeza! [risos]
VM: Ernani Henrique, antigo baixista, faleceu em 2012. Por mais que seja um tema mais pesado, você poderia nos contar o que aconteceu, de fato? E vocês já se pegaram pensando a respeito do rumo que a banda teria tomado se ele tivesse prosseguido com vocês, de forma que o Modesto não tivesse ingressado no Hatefulmurder?
RC: Ele faleceu em decorrência de um câncer e a coisa estava já tão forte que ele já tinha saído da banda e estávamos tocando com um amigo nosso, o Romulo Pirozzi. Ele já não estava mais na banda, tinha se afastado e a coisa foi ficando cada vez pior a ponto de, ao falecer, a gente pensar: “Caraca, descansou”. Porque tudo estava realmente muito forte, certamente uma das experiências mais fortes que vivemos. Aprendemos muito com ele em todo o processo.
VM: Em 30/10, a Angélica esteve no Papo De Sexta #103, live do Heavy Talk, de Lucas Steinmetz, o “Moita”. No bate-papo, ela afirma que suas duas bandas, Diva Satânica e Scatha, competiram no Metal Battle, a seletiva para o Wacken, e curiosamente perdeu a etapa carioca justamente para o Hatefulmurder. Como foi essa tentativa de participar do maior festival de metal do mundo?
RC: Cara, para essa seletiva, em específico, a gente estava bem tenso. Era o primeiro show do Thomás, mas deu tudo certo. Chegamos na final nacional que aconteceu no Roça ‘N’ Roll e infelizmente não levamos. Mas tudo bem, hoje tenho certeza que não estávamos preparados para viver um rolê assim. Tudo em seu tempo, certo?
VM: Você e Angélica participaram do décimo-terceiro episódio do podcast Papo De Metal em 09/11. Uma das perguntas foi sobre novas composições e, sem querer furar a pauta alheia, queria tentar arrancar mais informações, afinal de contas, mirando o futuro, é natural que a pausa forçada tenha dado tempo e possibilitado a vocês comporem material novo. Quais os planos nesse sentido e o que já está pronto e pode ser revelado?
RC: Cara, estou sempre brincando com a guitarra, trazendo algum riff, alguma idéia, experimentando e me divertindo com ela. Então estaria mentindo se te dissesse que não tem nada de novo por aí. A idéia é futuramente lançar alguns singles e já começar a preparar um disco novo, já que Reborn está “meio velho” devido ao fato de não ter rolado nada em 2020.
VM: Falamos de “The Philosopher” e não há nenhum cover inserido na discografia oficial de vocês. Quando teremos o prazer de ouvir a releitura de um clássico num álbum?
RC: Na versão europeia de Red Eyes, colocamos: uma música ao vivo, “Caught By The Arms Of Death”; uma música nova, “Chimera”; e um cover de “No Class” (Motörhead), que também saiu numa coletânea de nossa antiga gravadora [nota: Going To Brazil... – The Brazilian Tribute To Motörhead (17); sem o Hatefulmurder, há também Bombing Brasil – Brazilian Tribute To Motörhead (13), com “s” mesmo no título].
VM: Não sabia do cover e nem da coletânea! Que legal! Só que aí se torna automático perguntar: qual cover vocês têm em mente como um possível próximo alvo?
RC: Você acredita que sempre que conversamos sobre isso, nunca chegamos a uma decisão? [risos] Eu queria fazer alguma versão para uma música mais antiga, porém... qual? São infinitas as possibilidades e acredito que tem mais peso a versão do que a própria música em si, saca? Vamos ver, de repente um Black Sabbath, Pink Floyd... sei lá. Discussão infinita [risos].
VM: Em 13/11/, vocês integraram o Shaman Fest Online e aproveitaram o evento para lançar um clipe novo, o de “Lost Days”. Falemos um pouco sobre o festival e o vídeo.
RC: A gente ficou super feliz com o convite da Fernanda Mariutti! Shaman é uma banda histórica e foi realmente irado! Aproveitamos o convite e fizemos o que queríamos: lançar um clipe novo numa live de expressão. Gravamos uma semana antes, foi tudo bem corrido, mas deu certo no final. E, é claro, o resultado foi super positivo! O clipe foi filmado pelo João Vitor Marins e editado pela Ana Zahner, uma galera que manda super bem!
VM: Encerrando as lives e apresentações online, em 04/12 rolou o Under Fest, novamente com o clipe de “Lost Days”, e se a gente não publicar logo esta entrevista, é bem capaz que pinte mais algum convite [risos]. Falando sério, vocês foram a penúltima banda e queria saber se há algum status ao quase fechar ou encerrar mesmo um evento online.
RC: Foi para o Under Martyrs, canal do Abel Martins, acho que do sul de Minas Gerais. Ele decidiu fazer o festival, há uns blocos no canal e ele conversou comigo e com a Angélica. É diferente, né, cara? Honestamente, não me importo muito com isso de ser headliner online. O lance de termos posição e horário legais num show presencial é uma coisa, mas não vejo uma diferença tão grande assim online. Ele colocou a banda em destaque, acreditou que poderíamos ajudar no festival, acho que ajudamos e é isso, sabe? Mas às vezes, ser primeiro num festival online é legal porque também já aquece a galera.
VM: E quanto a projetos pessoais, há algo em vista?
RC: Estou com um curso online de música (violão/guitarra) voltado para quem quer aprender a tocar ou iniciar seus primeiros movimentos musicais. A ideia é fechar turmas online e dividir o curso em módulos. Por ora, é isso, além das aulas que já rolam na escola e os alunos particulares.
VM: Para encerrar, dê um “Alô” aos fãs do Hatefulmurder que resistiram lendo até aqui:
RC: Só posso agradecer a toda galera que nos acompanha. Sem esse pessoal, nada disso seria possível. É graças a vocês que nosso sonho se mantém vivo. Muito obrigado pelo espaço e pelo trabalho em apoiar e divulgar as bandas. Espero que a gente se veja por aí em breve!
Hatefulmurder é:
@angelica_burns (vocal)
@renan.ricampos (guitarra)
@modesto.bass (baixo)
@tholigado (bateria)
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E já que Renan citou as participações em festivais online, aí vai a lista completa do que foi feito até aqui:
01) Quarentena Rock Online Fest I – 11/04: Atrelado ao Heavy Talk, sua visualização é exclusiva para os membros do canal, com planos de R$ 2,99 a R$ 7,99. Caso queira contribuir, clique aqui.
02) Coordenadas Bar – Live Streaming – 19/07: [Se alguém encontrar um link para que possamos assistir à live, deixe nos comentários]
03) ForCaos 2020 – 31/07 (Dia 02): https://www.youtube.com/watch?v=w-tg_Xj_zIA [a partir de 1h31’32”]
04) Live Do Tomarock – Aniversário De 17 Anos – 16/08: https://www.youtube.com/watch?v=piH3wOOb8sA [a partir de 3h09’38”]
05) Heresy Online Fest 2 (Argentina) – 16/08: https://www.youtube.com/watch?v=g02Ngo3jx3c [a partir de 3h08’18”]
06) Be Magic Convida – HR Live Sessions – 26/09: https://www.youtube.com/watch?v=wbHNUNxDUQU [live exclusiva do Hatefulmurder]
07) Roadie Crew Online Festival – 7ª Edição – 09/10: https://www.youtube.com/watch?v=03MYxszoYbQ [a partir de 4’56”]
08) O Subsolo Festival Online Edition – 17/10: https://www.youtube.com/watch?v=bYWvscQY7G8 [a partir de 26’58”]
09) Shaman Fest Online – 13/11: https://www.youtube.com/watch?v=awi8Rd7QAOE [a partir de 41’06”]
10) Under Fest Online – 04/12: https://www.youtube.com/watch?v=nLloevtGFhw [a partir de 1h53’30”]
Bacharel em inglês/português formado pela USP em 2003; pós-graduado em Jornalismo pela Cásper Líbero em 2013; professor de inglês desde 1997; eventualmente atua como tradutor, embora não seja seu forte. Fã de música desde 1989 e contando... começou a colaborar com o site comoas melhores coisas que acontecem na vida: sem planejamento algum! :)