PAD: Muito além de um simples “pé de galinha”
Foto: Angelo Pastorello (@angelopastorello)
Agradecimentos a: Isabele Miranda (assessora de imprensa)
Você conhece o PAD? Não??? Putz, deveria! Fundada em 2016, curiosamente seu primeiro ensaio rolou como um quarteto em 30/11, com Fabio Noogh (vocal), Marcos Kleine (guitarra), Will Oliveira (baixo) e Thiago Biasoli (bateria). Pouco tempo depois, Leandro Pit (guitarra) e Rodrigo Simão (teclados) já formavam o lineup que lançou “Not So Vain” em 16/06/17, o primeiro de cinco singles na discografia, além do début O Som E A Cura (18), seis lyric vídeos e o resto é história!
Antes de partirmos para a entrevista, é importante esclarecer que este escriba ainda não teve o prazer de vê-los ao vivo – pois é, lacuna cultural! Sendo assim, as perguntas feitas sobre a performance ao vivo dos caras foram baseadas em sua mais completa e recente apresentação disponível no YouTube, a participação na Live Kiss Club [https://www.youtube.com/watch?v=WK-4TzFUHao] de 11/09/20 no Orra Meu! Estúdios – e caso você decida curti-la durante esta leitura, a transmissão só se inicia com 11’03”, sabe-se lá Dio o motivo.
Só não caia em duas tentações: reduzir o PAD ao “outro grupo de Marcos Kleine, do Ultraje A Rigor”, logo, o membro mais conhecido, por assim dizer, pois eles são muito mais do que um mero projeto paralelo; e confundir bom humor com bobeira, caso você saiba a estória por trás de seu nome. E se não tem idéia do que se trata, terá chance de descobrir abaixo na primeira de duas interações por e-mail feitas com Fabio Noogh e Thiago Biasoli – ou “TB”, nas internas.
Comunicativos, ambos não dividiam as perguntas, respondendo todas elas, exceto as direcionadas especificamente a um dos músicos. E quem ganha com isso? O leitor, pois passamos a ter duas conversas distintas ao invés de uma só. Abaixo começaremos com o vocalista, que também se empolgou e foi tão detalhista que decidimos fragmentar o papo com Fabio em duas partes e aqui vai a primeira delas:
Vagner Mastropaulo: Fabio, muito obrigado pela entrevista! Como estão as coisas?
Fabio Noogh: Imagina, Vagner! Obrigado a você pela resenha inicial e pelo carinho! Em meio a essa pandemia, gostaria de poder dizer que estamos ótimos, mas creio que a melhor afirmativa é que, até agora, estamos todos seguros e agüentando firme.
VM: As duas primeiras perguntas devem ser as que vocês provavelmente não suportam mais responder... eu poderia pesquisar sobre os primórdios do PAD e repetir erros de informação da internet, mas prefiro ir direto à fonte, até porque é a primeira vez que nos falamos. Enfim, como surgiu a banda? Quem conhecia quem? Quem falou com os outros e apresentou um determinado músico aos demais? Ou seja, como tudo se alinhou para que os seis estivessem juntos hoje?
FN: Para não dizer que foi por acaso, tudo começou com um evento que o Kleine e eu fizemos juntos ao final de 2015 tocando com The Soundtrackers, os “tocadores de trilhas”, criado pelo saudoso jornalista e meu irmão de palco, Rodrigo Rodrigues, que tristemente nos deixou em 2020 por causa do Covid. Nesse show, o Kleine precisou substituir o Amaury, guitarrista dos Trackers, acabamos nos conhecendo e rolou uma admiração mútua que, para o momento ficou apenas no palco. No ano seguinte, a bem da verdade, muito sem querer, o Kleine acabou caindo de pára-quedas para fazer uma produção no meu então estúdio, o Green Man Studious (com quem eu já fazia parceria de jobs com o Leandro Pit), e após o trampo, ele comentou que tinha muita vontade de voltar a fazer som próprio (lembrando que ele já passou por diversas bandas consagradas como Viper, Exhort e Vega, além do Ultraje A Rigor, do qual ele faz parte até hoje). Nisso eu falei: “Ué? Então vambora!”. E acabei acionando o Thiago Biasoli, com quem já tinha trabalhado antes e que tem uma longa trajetória no rock com bandas incríveis como o Carranca Trio e o Owl Company. Um puxa o outro, o TB conhecia o Will Oliveira, que acabou vindo dar peso no contrabaixo, além de todo o backup e know-how de produção, e que acabou trazendo o Rodrigo Simão, que já tinha feito outras inúmeras produções, inclusive com o Dr. Sin. Sendo o Pit um baita parceiro e também produtor artístico com sua LPA Produções. Acabamos montando um sexteto “brabo”, coisa rara por aí hoje em dia no rock nacional, com peso sonoro para nenhuma banda gringa botar defeito.
VM: E sobre a origem do nome PAD, que passa por “PAD Galinha”, sua bem-humorada resposta na Live Kiss Club foi: “Uma sacanagem que a gente fez com aquela banda chamada Chickenfoot, do Sammy Hagar, Joe Satriani, Chad Smith e Michael Anthony. Já se achando meio roqueiro velho, meio ‘pé de galinha’, a gente falou assim: ‘Vamos fazer um super grupo também?’. Então ficou aí essa sacanagem”. O que não foi dito e desperta curiosidade foi: quem exatamente teve essa sacada? Onde vocês estavam quando isso foi proposto? Ou foi através da modernidade de um grupo de WhatsApp? E a aceitação dos demais membros foi imediata ou houve rejeição?
FN: Na real, o primeiro ensaio rolou comigo, Kleine, o TB e o Will – mesma fórmula em quarteto do Chickenfoot, que, junto com outros tantos quartetos incríveis como Van Halen, Extreme, Mr. Big e Living Colour, se tornou minha maior referência. Porém, o Chickenfoot foi uma reunião genial de monstros já consagrados do rock americano e nós, de consagrados, só tínhamos o Kleine, na real. Mas, para mim, o que importava mesmo era a consideração de nos acharmos minimamente bons nesse tal de “roquenrou” e, no meio da tiração de onda, nos batizamos como “Pé de Galinha” – ou “PAD”, para ficar curto e grossamente tecnológico – e ficou um sarro apropriado para o momento. E aí, com as entradas do Pit e do Simão, na real, ficamos mais para um Deep Purple do que um Chickenfoot. Mesmo que já não sejamos garnizés novinhos e sim meia dúzia de galos velhos que ainda dão um caldo (ou canja, tanto faz!) cantando ou esporando por aí, brincadeira à parte, a gente merecia se homenagear com um nome que representasse um monte de coisas que fazem sentido para a gente: é só dar uma pesquisada pela internet para saber mais sobre o pé de galinha como símbolo da paz, que é bem bacana. Para muitos, a gente pode até já ser “velhinho” para fazer rock autoral novo. Mas, de bobo, a gente não tem nada.
VM: E nunca confundiram ou associaram o PAD ao P.O.D., banda cristã de metal alternativo de San Diego?
FN: [risos] Não, mas essa foi genial!
VM: Na live, todos seguiram as medidas de segurança, inclusive o host Paul Martins, exceto você, por motivos óbvios, afinal de contas: como cantar de máscara? Recentemente fiz a mesma pergunta ao Marcello Pompeu em função da live do Korzus no Manifesto em 20/06 e queria ouvir como rolou contigo, Fabio: você chegou a ensaiar mascarado para, pelo menos, testar como ficaria essa vocalização? Ou foi algo a não ser sequer cogitado?
FN: Caramba, depois de ter vivido tanta coisa nesses últimos onze meses de pandemia, essa pergunta abrange tanta coisa que dá uma senhora resenha! Claro que, pelo medo de contágio e transmissão da doença, logo no começo, cheguei a usar a máscara nos raros ensaios que tivemos e o que mais pegou para mim não foi a sonoridade abafada (que, querendo ou não, rola com qualquer obstáculo que filtre o som entre a boca de quem canta e o microfone), mas sim o fato de ficar inviável respirar, fosse pelo nariz ou pela boca, quando a máscara encharcava de suor – e eu não suo, eu “cachoeiro”. O desgaste físico gerado pelo cantar e performar é bem parecido com quem faz exercícios de alta intensidade. Com a máscara, então, é loucura: chega uma hora que você pode engasgar, se asfixiar e até desmaiar, se não prestar atenção. Parece besteira, mas só quem testou e passou por isso pode dizer. Fosse qual fosse a condição (com ou sem máscara), para mim ficou assustador nos expormos, ainda que dentro dos protocolos de segurança – tanto que, em 2020, ao todo, participei de cinco lives (lê-se “shows” – apenas um remunerado) contando com o Kiss Club, e em todas fiquei com medo de não só me contaminar ou contaminar quem estivesse ali perto, mas principalmente de trazer a doença para casa e prejudicar minha família. Após a live do PAD no Kiss Club em setembro, ainda participei de uma outra e depois disso não tive mais coragem de fazer shows enquanto não houver mais vacinados ou aconteça, de fato, a tal imunidade de grupo. Por isso, respeito e admiro demais todos os colegas que vivem de música e não podem deixar de trabalhar mesmo em condições desfavoráveis por falta de apoio dos governos.
Foto: Caike Scheffer (@caikescheffer)
VM: Na hora de dizer o sobrenome do baterista do Red Hot Chili Peppers, me impressionou sua correta pronúncia de um dos tormentos fonéticos do inglês: o “th”. No caso específico, o som sem vibração nas pregas vocais e, pode parecer bobeira, mas a produção acertada desta articulação é um dos diferenciais de quem manja o idioma. Ao término da primeira música da live, “Esse Quam Videri”, sobre a criação da letra, você afirmou: “Pensei no tema da escola onde morei nos Estados Unidos, que se chama Suffield Academy, e estava escrito ‘Esse Quam Videri’”, lema tatuado em seu braço “que significa ‘Ser Ao Invés De Parecer’”. Conte-nos sobre essa experiência no exterior: por quanto tempo você morou lá? Você foi a estudo? E o que rolou que acabou voltando para cá?
FN: É isso mesmo! Morei nessa escola chamada Suffield Academy, em Suffield, no estado de Connecticut, nordeste dos Estados Unidos, entre 1994 e 1996, onde me formei no colegial. Foi uma das maiores experiências da minha adolescência e me ofereceu dezenas de referências para a vida, além de aprender inglês – e obrigado por ter notado o lance da pronúncia! Meu pai sempre pegou no meu pé por conta disso, o que fez e ainda faz diferença em dezenas de ofícios pelos quais passei. “ESSE QUAM VIDERI”, “Ser ao invés de parecer” é o lema da escola, que existe desde 1833. Ainda que vivendo uma situação delicada de doença em família, tive a grata oportunidade de ir morar lá na época em que o dólar estava um para um e acabei fazendo coisas no âmbito escolar que acho que nunca faria por aqui. Hoje acho que o fato de ter sido um estranho no ninho lá fora me fez apertar aquele botão do “foda-se” que trava a gente por tanto tempo na pré-adolescência e acabei me arriscando em fazer coisas bacanas das quais tinha medo, mas tinha grande curiosidade, como: jogar futebol americano, tocar numa banda de jazz e até aprender a cantar num coral. E acho que essa é a essência do “Ser, ao invés de parecer”: você ter noção do que é bom e te faz bem e se arriscar em ser feliz, descobrindo que sucesso e satisfação são bem diferentes de excessos e remuneração. Para você ter idéia, meu esporte predileto sempre foi o basquete e cresci jogando pelo Paulistano, quando o Marcelinho Huertas era ainda pequenininho e mais parecia o Calvin, do Haroldo. E mesmo não sendo um jogador de destaque, eu era sempre o primeiro ou segundo do banco a entrar para jogar. Quando fui para Suffield, já no meu primeiro ano como “junior” (terceiranista), entrei para o time principal também como jogador reserva. E apesar de ser o mais novo do time e estrangeiro, me esmerava para jogar e bem. No ano seguinte, meu último, prestes a me formar, voltei com outra cabeça e outro jogo: acabei me tornando capitão do time, junto com um armador que parecia o Wesley Snipes, e o time ainda era composto por um ala-armador que tinha o biotipo do Will Smith, um lateral mexicano que acertava de três de qualquer lugar e um pivô senegalês de 2,17m. Joguei como ala de força e, apesar dos meus 1,87m, me virava bem por causa do meu porte e peso. Tive uma média de vinte e três pontos por jogo e estava pleiteando bolsa de estudos em três faculdades de médio porte para jogar e estudar Comunicação (seguindo os passos dos meus pais, jornalistas) quando, no primeiro jogo dos playoffs, rompi o ligamento do meu joelho esquerdo. E foi assim que acabei voltando ao Brasil, meio perdido, mas feliz de ter ido tão longe.
VM: Carismático, você foi extremamente desenvolto durante o set na live, chegando até a brincar que era locutor e dando a impressão que, se o Paul Martins não estivesse por lá, tudo teria transcorrido a contento e você conduziria a noite toda numa boa. Isso tudo além da já referida bela pronúncia em inglês. Qual sua formação e outras áreas de atuação exatamente?
FN: Se filho de peixe, peixinho é, creio que puxei muito dos meus pais, que, como citei acima, foram jornalistas a maior parte da vida. Acho que, como comunicadores, acabei pegando muito da desenvoltura com a palavra escrita por eles sempre terem ficado no meu pé a vida toda (meu pai ainda fica, principalmente com as crases... ah, as crases...). Quando voltei dos Estados Unidos, mesmo desnorteado e me recuperando do joelho estourado, precisei me atualizar com as matérias brasileiras (principalmente história e geografia) em cursinhos e acabei indo fazer Direito ao invés de Jornalismo ou algo parecido. Na época, meu pai me convenceu que o Direito me ajudaria mais na escrita e na forma de pensar – e ele estava certo. No entanto, como prática do ofício, brochei muito quando descobri como a coisa funcionava e, aos poucos, fui percebendo que não seria nem um bom advogado, mas que também não teria foco e disciplina para estudar e prestar concursos públicos. Ainda assim, cheguei a dar aulas de inglês antes de estagiar em alguns escritórios, mas acabei descobrindo um grande amor, que foi trabalhar com segurança no aeroporto em Guarulhos. Fiquei na United Airlines por três anos quando decidi que precisava tentar estagiar e ver se aquilo era para mim quando, seis meses depois, aconteceu o episódio das Torres Gêmeas e acabei voltando para o aeroporto, acho que por conta daquela “culpa de sobrevivente” que costuma afetar quem foi para a guerra e sobreviveu. Seja como for, com a crise aeroviária em decorrência do 11/09, tentei trabalhar com segurança em outras empresas, mas acabei tendo um episódio de pânico, joguei tudo para cima e decidi começar a tocar e cantar – o que fui perceber, anos depois, que o fiz como uma espécie de “fuga terapêutica”. E foi numa dessas que cruzei com o Rodrigo Rodrigues no Finnegan’s, em Pinheiros, e daí para frente segui oficialmente na música como performer, fazendo locuções, jingles e até como dono de estúdio.
Foto: Caike Scheffer (@caikescheffer)
VM: Partindo para a cronologia dos lançamentos, o primeiro single de vocês, “Not So Vain”, é uma empolgante paulada e o único registro com título em inglês, mesmo que cantada em português – como toda a discografia do PAD. Por que esse título em outro idioma? E por que a opção por ela como o “cartão de visitas”?
FN: “Not So Vain” aconteceu como o primeiro riff que o Kleine trouxe para a gente tirar uma onda e, logo no primeiro ensaio, o esqueleto da melodia já estava praticamente pronto – naturalmente ela se tornou nossa primeira música e acho que ela deu o tom certinho para o que a gente veio fazer como banda. De cara, a música me lembra o peso do Audioslave, sem perder a malemolência do andamento cadenciado de “Stayin’ Alive”, do Bee Gees. Fã confesso de trilhas e sendo alguém que não deixa passar uma boa referência à toa, logo que a gente começou a desenhar a música, a sensação que o som me passava era como se estivéssemos descendo a Rua Augusta a pé, passando pelas baladas e chamando a galera para curtir o som com a gente – tal como quando Barry Gibb entra cantando no vídeo-clipe do maior tema dos “Embalos De Sábado À Noite”, com os irmãos andando ao seu lado. Visualizando isso e com o filme na cabeça, me vieram as primeiras palavras da letra: “rodando pelas noites, curtindo o agito da cidade, eu sinto o mundo acontecer entre a luxúria e a vaidade”. Daquelas curiosidades que só o tempo e perguntas como essa que você fez saciam, se você pegar as duas músicas, “Not So Vain” e “Stayin’ Alive”, vai conferir que o número de BPMs (batidas por minuto) das duas é praticamente o mesmo! O lance do título ser em inglês veio como uma sacada para rimar com o refrão e ainda dar aquela cutucada “classuda” em quem é fã de rock em inglês com um toque sutil. “Vem! Vem viver a vida... but not so vain” é quase a mensagem da “Sociedade Alternativa” do saudoso Raul Seixas, mas deixando também uma mensagem subentendida de que não vale a pena ser fútil nas escolhas, ou seja: “curta a vida, mas faça boas escolhas”. Também não foi à toa que o citamos no meio da canção.
VM: Para encerrar essa menção ao inglês, há planos para sair algo na língua de Shakespeare, mesmo que um cover, por exemplo? Ou até mesmo em outro idioma, como uma colaboração com algum artista latino-americano, quem sabe?
FN: Acho que a escolha de cantar em português serve para valorizar e levantar o moral do rock brasileiro e desmistificar esse lance de que não dá para fazer som gringo, bem feito e até pop, cantado na língua-mãe. No entanto, tudo pode acontecer! As collabs são prova ilibada de que, mais do que nunca, hoje é possível trocar figurinhas com um monte de artistas incríveis ao redor do mundo e produzir algo bacana misturando línguas e sonoridades diferentes. Acho super bacana e válido eventualmente arriscarmos algo em inglês, espanhol ou o que for, até pra fazer uma aproximação com públicos e pessoas diferentes “for the fun of it”!
VM: O segundo single também foi o primeiro clipe, “Estranho Mundo Novo”, faixa inspirada em “Admirável Mundo Novo”, trazendo na letra questionamentos como: “Por que a gente se sabota? Por que a gente se agride?” e crítica social em: “A atitude é violenta e a gente só regride. Por quê?”. A faixa saiu em dezembro/17 e, após mais de três anos, a situação parece ter piorado. Não dava para prever, certo?
FN: Prever jamais, mas, no andar dessa carruagem, era natural se esperar que as coisas iriam piorar bastante antes de melhorar. Acho que ninguém esperava que o alcance da comunicação e conforto que a internet trouxe quebraria tantas barreiras e paradigmas a ponto de dar chance de as pessoas passarem a arriscar mais, seja expressando pensamentos ou agindo, de fato, independentemente de ser certo ou errado, bom ou mau. É o tesão da liberdade de poder pensar, falar, criar o que se quer e como se bem entende num mundo quase sem fronteiras. Mas o que ninguém iria imaginar é que essa conta, da responsabilização pelo que se diz e faz, chegaria como um Big Brother: não por um governo autoritário como o de “1984” do Orwell, mas por núcleos de opinião pública que vigiam, fiscalizam, julgam e condenam moral e até mortalmente, sem sequer colocar as mãos em quem comete o erro, contravenção ou crime. É muito louco pensar que uma postagem malfeita pode destruir a própria reputação a ponto de fazer alguém perder o próprio emprego ou destruir a própria carreira – até por isso que no clipe existe uma cena bastante sensível e rápida em que a atriz está fazendo uma selfie super feliz com o celular, mas, na seqüência, ele se transforma numa arma apontada para si própria. Mas é aquilo de sempre: a gente tem uma tendência besta a só aprender na porrada, na dor, no sofrimento, não é?
VM: Além dessa parte social e até política, há dois versos isolados que, sob o olhar de uma ressignificação contemporânea, são de arrepiar, de tão premonitórios: “Queria tanto acreditar que uma cura já existe” e “Quero tanto acreditar que não somos esse vírus”. Será que, de algum modo inexplicável, vocês antecipavam o cenário pandêmico atual?
FN: Acho que ainda que a gente tivesse tais poderes, a ironia seria se alguém teria nos dado ouvidos lá atrás, no começo da banda... ou “ever”. Mesmo que eu concorde com o Lulu Santos, que diz que “Existirá / E toda raça então experimentará / Para todo mal, a cura”, como ele também diz, “ainda vai levar um tempo”. Não enquanto o mundo não se conscientizar, tomar muita porrada, se perder e tristemente ir até o fundo do poço. Pode não parecer pelas nossas letras, mas, para mim, é como um otimismo funcional e por isso a gente faz esse tipo de pergunta: “Quem quer pagar pra ver? Quem quer viver, sobreviver nesse estranho mundo?”. Questionar sempre foi melhor do que impor verdades ou jogar respostas fabricadas no colo das pessoas. Faz as pessoas se sentirem vivas e incomodam tanto a ponto de, cedo ou tarde, as tirarem da zona de conforto para, quem sabe, tentarem encontrar melhores soluções. Mas, afinal, quem quer lutar para ter uma resposta que valha a pena? Ou quem quer viver, sonhar em ter qualquer futuro?
VM: E só para falar um pouco sobre a parte instrumental de “Estranho Mundo Novo”, de onde veio o sensacional teclado inicial que lembra, ao mesmo tempo, Van Halen e “Missão Impossível”?
FN: Te falei que a gente só busca boas referências! E você está certo: “Right Now” foi a inspiração para a gente desenhar essa música, tanto no timbre do piano quanto na mensagem. Está certo que “Estranho Mundo Novo” é bem mais obscura do que a canção do Van Halen, mas a provocação é a mesma: agora é o seu amanhã, então quem quer fazer a coisa acontecer para valer e direito? No entanto, o synth que o Simão usa para frasear o riff principal foi peça-chave para dar a tensão necessária à música. Realmente lembra “Missão Impossível” e ainda acho impossível ainda não terem usado essa música para algum seriado dos Netflix da vida!
VM: O esperado full length, O Som E A Cura, saiu em junho/18, com os singles já lembrados e aberto por “Esse Quam Videri”, que também inaugurou a Live Kiss Club. Ouvi as duas versões em sequência e é impressão minha ou vocês soam mais pesados ao vivo do que em estúdio?
FN: Não sei se foi o tesão do momento (já que fazia meses que não tocávamos) ou se foi raiva, talvez pelo mesmo motivo. “EQV”, como a chamamos carinhosamente, é uma música introspectiva e de auto-afirmação que, com o passar do tempo, tem ganhado mais tutano conforme a gente toca. Aliás, acho isso natural de qualquer música que, ao longo do tempo de maturação de uma banda, vai ganhando personalidade e corpo. A gente passa a tocar de modo diferente, experimentando fraseados diferentes, solos inusitados, preenchimentos que não existiam na gravação, drives vocais mais intensos. Tem dias que a gente dá sorte e soa melhor do que outros e até descobre novas nuances. Acho que essa live do Kiss Club foi um desses bons.
VM: Xeretando pelo YouTube, encontrei outra música chamada “Esse Quam Videri” [https://www.youtube.com/watch?v=k9nVnEA4ls4], gravada por um grupo norte-americano chamado Mordred, um som interessante e funkeado que lembra o mencionado Red Hot e é parte do álbum In This Life. Na casa de cinco mil visualizações, o vídeo possui só um comentário: “Criminally underated band!”, ou “Banda criminalmente subvalorizada!”, em tradução livre nossa. Traçando um paralelo, a cada lançamento, mais e mais pessoas descobrem o PAD, mas o que falta para o trabalho alcançar as massas e ser ainda mais valorizado? Como vocês enxergam isso tudo?
FN: Costumo dizer que a internet democratizou “a porra toda” e não foi diferente com a música. Desde o implemento do CD até o P2P, Napster e a chegada do YouTube, genericamente falando, sinto que uma faixa musical, na maioria das vezes, deixou de ser algo único para uma maioria para se tornar um item exclusivo que fale com quem realmente se identifica. Acho que o fato de algo ou alguém “estourar” e se tornar notório está mais descaradamente ligado ao potencial de investimento a que uma música ou banda está sujeita – daí o fato de ela poder se tornar um produto, de fato, consumível pelas massas (via merchandising, etc.) ou se tornar um item cult de alguns poucos entusiastas colecionadores ou caçadores que peregrinam pelos streamers ou lojas físicas escondidas, que saem dos conhecidos filtros (a antiga mídia aberta) e que não se rendem aos algoritmos ou posts pagos que induzem o ouvinte a acreditar no que é melhor para ele. Acho que é por isso que os grandes artistas não deixaram e nem vão deixar de existir, mas a parcela de mercado dos artistas à margem do mainstream é tão difusa, um tanto desconhecida e por isso tão inexplorada – algo incrivelmente bom para quem se organiza e se esforça em seguir periodicamente colocando bons materiais de fato no mercado. Acho que música boa deixou de ser uma loteria para se tornar algo que realmente faça a diferença, mesmo que a conta-gotas, com expectativa de ganho menor, porém certa de um público interessado e ávido por coisas que valham a pena. No entanto, o que sempre vai faltar para alcançar público ou é capital (próprio ou via investidores) para aplicar em divulgação ou o interesse por parte dos grandes filtros em transformar um artista pequeno em um consagrado. Nesse último caso, resta saber se cada potencial relacionamento desses será bacana para ambos ou se é vender a alma para o diabo ou abraçar o capeta. Para quem não tem um ou outro, o lance é continuar a pressão, se atualizando, produzindo coisas bacanas, se relacionando bem com as ferramentas e os diversos públicos que nascem a cada dia.
VM: Também do play, “Eu Sou O Cara” foi o segundo e mais recente clipe feito até hoje e está no canal oficial do PAD no YouTube como “Uma Homenagem aos Heróis da Polícia Militar do Estado de São Paulo que protegem e salvam suas vidas”, com depoimentos dos membros do Corpo de Bombeiros e oficiais da Polícia. De onde veio essa bela iniciativa? Quem teve a idéia? E vocês receberam algum retorno ou agradecimento da Corporação, em retribuição?
FN: Quando levei essa música à banda, como parte da iniciativa de todos trazerem canções para compor o álbum, não imaginava o tamanho que ela ia tomar. Era uma música que estava escrita num caderno meu havia mais de vinte anos e que eu só tinha mostrado a algumas poucas pessoas. Ao longo desse tempo, não tinha segurança para confiar nas minhas letras, como também não tinha um grupo de amigos tão sintonizados nesse som a ponto de me darem a força necessária para empurrar o som adiante. Desde sempre pensei que essa música representava todo aquele que rala “pra caramba” e não é devidamente reconhecido. Pensam nas empresas e instituições, mas se esquecem dos carteiros e dos professores. Lembram-se dos nomes nos caminhões, mas não dão atenção aos garis. Lembram-se do nome do médico, mas quase nunca da equipe de enfermeiros ou de tantos outros heróis sobre os quais não se canta. A idéia inicial era fazer um clipe homenageando todas essas pessoas tão essenciais, além de outros: cozinheiros, pilotos de ambulância, bombeiros, entregadores, faxineiros, homens e mulheres que cuidam do lar... enfim, seria uma infinidade de funções que, num clipe só, ficaria pequeno para caber tanta gente. No entanto, uma profissão em especial sempre nos chamou atenção: a dos Bombeiros, cujo trabalho requer que muitíssimas vezes arrisquem as próprias vidas pelo bem-estar de qualquer um. E, com isso, o Kleine e o Dudu Galeno, diretor da Monte Castelo Filmes, que dirigiu o clipe, solicitaram inicialmente uma reunião com os responsáveis pela Corporação dos Bombeiros, que, no caso, é o Comando Geral da Polícia Militar, para apresentarem o projeto do vídeo-clipe. Conforme os dois expunham a idéia e os motivos, o pessoal da PM não só adorou como se dispôs a oferecer alguns dos seus heróis para documentar depoimentos para o clipe. E, de tanta gente e estórias bacanas, acabamos focando a homenagem nesses homens e mulheres que protegem e salvam vidas como profissão. Sempre que a tocamos ao vivo, agradecemos a eles para lembrar, a todos que estão assistindo, sua importância, mas não deixamos de lembrar que a essência dessa música é para todas as pessoas que ralam e fazem por merecer e por isso citamos uma galera. Retorno temos até hoje quando a gente acaba recebendo mensagens emocionadas de membros ou familiares da Corporação via comentários no vídeo-clipe ou até no inbox nos canais da banda. Mas a coisa mais incrível foi termos sido não só convidados a participar tocando com a Banda Sinfônica da Polícia Militar no concerto anual deles (que se deu no Memorial da América Latina), mas também ganhar, de presente, um arranjo exclusivo que tivemos chance de tocar com eles no dia. Para mim, foi emocionante e o ponto alto da minha carreira. Apesar de termos ‘feito shows incríveis, até hoje, nada se compara a esse presente e à sensação de poder homenagear e continuar incentivando tanta gente que mal toma café da manhã com a família e leva as crianças à escola e, logo na sequência, pode não voltar vivo para casa por ser essa profissão.
VM: Provavelmente não foi algo intencional, mas daria para afirmar que a temática tem inspiração, mesmo inconsciente, em “My Hero” (Foo Fighters) ou “Heroes” (David Bowie)?
FN: Realmente não foi intencional, pois, apesar de adorar ambas as músicas, jamais parei para pensar nessa comparação. Te agradeço demais pela lembrança e fico lisonjeado por isso!
VM: Ainda sobre “Eu Sou O Cara”, vocês soltaram dois teasers do vídeo cerca de trinta e vinte dias antes de ele sair e, obviamente, à época, o plano era gerar expectativa. Qual foi o feedback recebido dos fãs neste intervalo, até que o clipe efetivamente ganhasse vida? De onde surgiu essa sacada e quem a teve?
FN: Nada melhor do que ter um William de Oliveira numa banda para provocar esse e outros tipos de ação tão sensacionais. Além de um grande baixista, Will é um cara incrível que estuda inúmeras táticas para fazer as coisas acontecerem da melhor maneira, sempre jogando a real dos prós e contras de qualquer estratégia. O feedback não poderia ser melhor, visto que a homenagem visa todo mundo que é de bem e faz por merecer. É lógico que a gente sabe que existe gente boa e ruim em todo núcleo e também sabíamos do risco de sermos mal interpretados por quem quer que fosse. Se a gente generaliza ou joga por baixo, todo mundo sabe que, infelizmente, existe tanto gente de boas quanto de más intenções em qualquer núcleo, mas nossa intenção e energia sempre foram as melhores ao abertamente prestar homenagem a quem protege e salva vidas – e não a quem faz o contrário. Por isso acho que o lance todo foi mais leve e bacana do que a gente esperava.
Curtindo? Clica aqui para conferir a conclusão da interação com Fabio Noogh, vocalista do PAD!
Foto: Angelo Pastorello (@angelopastorello)
Por ora, acompanhe as novidades nos canais da banda:
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Assessoria: Isabele Miranda @isabelemirandatv
Bacharel em inglês/português formado pela USP em 2003; pós-graduado em Jornalismo pela Cásper Líbero em 2013; professor de inglês desde 1997; eventualmente atua como tradutor, embora não seja seu forte. Fã de música desde 1989 e contando... começou a colaborar com o site comoas melhores coisas que acontecem na vida: sem planejamento algum! :)