PAD: Muito além de um simples “pé de galinha”
Foto: Angelo Pastorello (@angelopastorello)
Agradecimentos a: Isabele Miranda (assessora de imprensa)
O vocalista da banda PAD, Fabio Noogh, nos concedeu uma super entrevista, que decidimos dividir em duas capítulos (confira a primeira parte aqui), abaixo você confere a conclusão desse bate-papo:
Vagner Mastropaulo: Em novembro/18, veio o segundo lyric vídeo do PAD, “Esse É O Amor” – o primeiro havia sido “Not So Vain”. O conceito de lyric vídeo é algo que não existia dez anos atrás, por exemplo, já virou tema de publicação online de revista universitária [http://www.rua.ufscar.br/lyric-video-uma-nova-estetica-de-divulgacao-da-musica-pop] e há quem defenda ser uma mera “solução barata para divulgar artistas” [https://www.tca.com.br/blog/descubra-a-origem-dos-lyric-videos-alternativa-barata-aos-clipes-musicais]. Sob o ponto de vista do músico, qual a importância de lançar um de tempos em tempos? E dá muito trabalho fazê-los?
Fabio Noogh: Acho que é obrigação do artista se manter atualizado, se reconstruir de tempos em tempos e descobrir novas maneiras de colocar seu trabalho em voga, tanto para manter a própria sanidade e o pé no chão quanto para se desafiar e retratar o seu tempo de maneira a despertar interesse surpreendendo seus contemporâneos (e a si próprio) com sua melhor arte. Sempre vi com bons olhos quem consegue obter lucro justo pelo seu trabalho, pela sua arte, ainda mais sendo ela incontestavelmente boa. Por essas e outras, é absolutamente importante um artista lançar obras novas constante e periodicamente e se atualizar diante dos novos modelos de exposição e mercado, tanto para se resguardar e não ser enganado quanto para ampliar seu alcance. Como já dizia James Brown: “Stay on the scene, like a sex machine!”.
VM: Não sei se você concorda com esta análise, mas a grande maioria das letras do PAD tem mensagens motivacionais, algo que se nota até no batismo de O Som E A Cura. Além disso, todas as interações na live, até mesmo na hora das brincadeiras, eram para passar algum conteúdo positivo, de força, foco e/ou perseverança. Esse conceito foi definido propositadamente desde o surgimento do PAD ou acabou rolando naturalmente?
FN: Acho que a democracia que existe no PAD para trazer contribuições, cada qual na sua especialidade, permite que a gente ofereça nossa melhor energia. Só fico feliz demais por poder cantar e falar o que acredito, mas também por aparentemente fazer algum sentido para todos na banda a ponto de se sentirem confortáveis em me conceder essa liberdade e confiança. Acho que não existe condição melhor do que essa coexistência em qualquer meio, em que você cresce conversando, pontuando situações, aprendendo a confiar até o ponto de dar carta branca para os colegas trazerem seu melhor. Da minha parte, o que vivi e aprendi nessa vida, enquanto estiver são, não vou me permitir passar nenhuma mensagem destrutiva. Consciente e muitas vezes real, mas sempre visando fazer com que o ouvinte se sinta bem. Faço música para me lembrar do que vale a pena lembrar, me incentivar, me inspirar. Não que me faça sofrer sem margem para esperança.
VM: Quebrando o padrão, a citada “Estranho Mundo Novo” é inspirada no livro de Aldous Huxley e o single seguinte, “A Regra É Clara”, de junho/19, também teve lyric vídeo, era material inédito fora do play e cutucava a corrupção. Há planos para outros, digamos, “desvios de focos líricos”? E tocando no assunto, como vocês definem os temas para as letras?
FN: Como a construção das nossas músicas normalmente é iniciada com a proposição da melodia instrumental, gosto de acreditar que me mantenho com cabeça e coração abertos para os tipos de sensações que cada música nova provoca. Esses “desvios de focos líricos” dependem do momento de quem traz a melodia, se anda rolando algum tipo de tensão na vida de cada um, em casa, no trabalho, na crença ou até no psicológico. Geralmente, quando alguém da banda traz uma melodia sem letra, gosto de conversar com quem a trouxe para captar alguma sensação, emoção ou tema para desenvolver as palavras. Para mim, é intuitivo considerar letras mais pesadas para sonoridades menos melódicas, mas é um grande desafio escrever uma letra antagônica, triste para uma melodia alegre ou uma letra divertida para um som triste. Esse contraponto pode oferecer combinações bastante interessantes e é algo que quero explorar em breve. No mais, como dizia o Rodrigo Rodrigues, “quem faz plano é bandido”, então, por ora, vamos seguindo o baile conforme a música pintar.
VM: Aproveitando a digressão, como é o processo de composição de vocês? Instrumental primeiro ou letra? Ou tudo junto e misturado? Quem costuma propor as idéias? E as músicas já são mostradas prontas ou a elaboração é colaborativa? Por favor, monte esse quebra-cabeças!
FN: Vixe... depende de como e quem traz a música! Um pouco já foi respondido na pergunta anterior, mas acho que o advento do WhatsApp ou grupos virtuais facilitou muito o meio de composição, como as collabs mais uma vez provam. No entanto, não existe nada como ensaiar presencialmente e cada um trazer possibilidades mil para definir o quebra-cabeça que é cada som. “Um Sopro”, por exemplo, foi tomando forma durante um ensaio, veio a pandemia, esperamos a poeira baixar para entender como funcionava o vírus, fizemos um ensaio para retomar o formato e fechamos a música. A idéia da letra pintou ao longo do tempo, mas só batemos o martelo bem depois que a melodia já estava fechada.
VM: Dois meses depois de “A Regra É Clara” e voltando a focar em faixas de O Som E A Cura, o lyric vídeo de “Guerreiros Pacíficos” saiu em 03/08/19. Voltando à live, achei super curioso você iniciá-la com a violão a tiracolo, embora só fosse usá-lo justamente em “Guerreiros Pacíficos”, a segunda do set. Foi uma mera questão prática?
FN: Normalmente não o uso nessa e em muitas das músicas, mas fazia tanto tempo que a gente não tocava que, para o dia da live, tê-lo pendurado me trouxe mais calma e segurança. Pode parecer piegas, mas a suspensão de tudo que a pandemia nos trouxe me fez ter que reaprender a caminhar e ficar de pé, mesmo usando algumas “muletas” – tal como o violão, que me trouxe suporte e consolo em vários momentos ao longo do isolamento. Então, de certa forma, foi sim uma questão prática. Mas, ao mesmo tempo, sempre quis experimentá-lo na “Guerreiros”, pois é uma música que me lembra um bando de cavalos selvagens em disparada e o violão traz uma sonoridade quase bluegrass a essa música. Ainda quero experimentar uma versão acústica dela assim.
VM: E você fez questão de informar de onde veio a canção: “Inspirada num filme também chamado ‘Guerreiros Pacíficos’ e o livro é ‘Way Of The Peaceful Warrior’, de um cara chamado Dan Millman. Vale a pena dar uma lida, vale a pena dar uma olhada, esse filme está inclusive aí no YouTube”. Nem sempre dá para fazer isso, senão o show vira palestra, embora Roger Hodgson, por exemplo, assim conduza os intervalos entre canções ao oferecer algo além de “apenas” música. Ainda não tive o prazer de vê-los ao vivo, mas suponho que você faça o mesmo num show. Como surgiu esse lance de partilhar esse tipo de conhecimento na live? E já te peço: siga fazendo!
FN: Obrigado pela dica e pela honorável comparação! Por serem mais frias que shows cheios de gente à sua frente, o artista precisa reaprender a se postar diante de lives para manter o interesse do espectador ligado o tempo todo e ele não querer “mudar de canal” meia hora depois. Num show, o espectador tem chance de buscar uma bebida, conversar ou paquerar nas músicas que menos lhe interessem. Ao mesmo tempo, justiça seja feita, acho que fui ganhando confiança para fazer essas resenhas durante o show de tanto ver meu parceiro Rodrigo McFly como host do The Soundtrackers.
VM: Chegando ao ano passado, primeiro saiu o single/lyric vídeo da inédita “Quase Nada” em agosto e, em seu release, Thiago afirma inicialmente que “Ela é sobre transformação, aceitação e esperança”, para depois complementar com uma peculiar perspectiva reflexiva: “É complicado falar sobre uma música porque a gente pode facilmente tirar a liberdade do espectador de se identificar com ela por sua individualidade e história de vida (...) Depois de lançada, toda música vira papel picado ao vento e acho isso lindo”. Pois bem, já deu tempo de este “papel picado” ganhar uma nova interpretação para vocês?
FN: Totalmente! Quando o Thiago trouxe a música, eu estava numa fase tão estranha e ruim que não a enxergava da melhor maneira possível. Tive que tomar uns murros da vida e me colocar na pele dos meus amigos para conseguir enxergá-la de uma maneira muito maior e abrangente. E hoje é incrivelmente uma das músicas mais significativas para mim.
VM: “Um Sopro” ganhou vida quatro meses depois e, se entendi bem, foi mostrada em primeira mão na live da Kiss. Qual a sensação de apresentar uma canção assim forte num programa de rádio, fazendo com que sua mensagem possivelmente alcance até mais gente de uma só vez do que num show, embora vocês não estejam vendo as reações dessas pessoas ali na hora?
FN: O medo e a expectativa de tocar uma música nova direito, por si só, já é uma grande motivação para que tudo transcorra a contento. Quando a música é diferente do que o ouvido pop está acostumado, dá aquele frio na barriga, mas quando é tão intensa quanto “Um Sopro”, a gente fica com o cu na mão por não fazer idéia da reação que ela provocará de modo geral. Pior ainda é não fazer idéia se, na seqüência, as pessoas aplaudiram, odiaram ou ficaram quietas, já que, apesar dos comentários rolarem em tempo real, a gente não pára para ler durante o show, né? É uma sensação desconcertante, porém interessante até para saber como a gente lida com esse tipo de situação inusitada. É bom para a gente ficar na ponta do pé e não ter garantido que toda música vai fazer o mesmo barulho para todo mundo.
VM: Ainda sobre “Um Sopro”, ela trouxe convidados no instrumental: Anderson Santoro e Rodrigo Silva (violinos); Edmur Mello (viola); e Renato Sá (cello). Como vocês chegaram a eles? E seria certo afirmar que se trata da composição mais ambiciosa do grupo?
FN: Sempre que tem espaço para algo diferente, a gente conversa bastante sobre o que dá para fazer na música, o que combina e aquilo que ela pede de fato. Assim como com “A Regra É Clara”, em que o Pit, nosso guitarrista e também produtor de tecnologia de palco, trouxe o arranjo de metais que conversam incrivelmente bem com as guitarras. A gente já havia considerado gravar um arranjo de cordas para “Um Sopro”, até mesmo pela facilidade do teclado e mão incrível do Simão para isso. No entanto, acabamos convencionando a possibilidade de gravar cordas reais para incrementar a música e, no final, o lindo arranjo composto pelo Pit foi a cereja do bolo e assim ele chamou o naipe de cordas para fechar a tampa. Quem presta atenção consegue ouvir a intenção “bluesy” das cordas nos refrãos ao final das palavras “Estocolmo” ou “louco”, o que é pouco comum em arranjos de cordas, principalmente no nosso rock. Pizzicato então, nem se fala! Na volta do solo insano e cheio de bends que o Kleine sangrou para fazer, após um chique interlúdio de piano com cello marcado cirúrgica e pontualmente pela bateria, o pizzicato classudo dá um charme inigualável em cima da base do synth grave que acompanha o baixo do Will quando entramos na última estrofe. Junto com a letra, esse arranjo dá o tom de loucura fantasmagórica, quase operática, nesse trecho, o que, para mim, mostra como todos os instrumentos conversam bem e contam a estória de uma maneira surrealmente palpável. É como se, ao ouvir a música, você entrasse num conto de terror à moda antiga, como naquelas rádio-novelas cheias de suspense. E, com certeza, até agora essa realmente é a nossa composição mais complexa em diversos sentidos, não só pelo instrumental fora da casinha. Mais uma vez, após o instrumental inicialmente desenhado, criar uma letra sobre o terror vivido em relações abusivas nessa altura da época em que vivemos, em primeira pessoa, é bastante audacioso. Mas foi o que essa “twisted valsa” me fez sentir ao ouvi-la pela primeira vez para retratar, de alguma maneira, essa realidade tão pesada. Revisitei as cartas de Jonathan Harker sobre o Drácula, que refletem tanto o abuso profissional quanto o físico; o conto de Mary Shelley que cita o abuso familiar físico e moral entre o criador e Frankenstein, sua criatura; o abuso de drogas que transformam Jekyll em Hyde e, da mesma maneira, a vida dupla de Dorian Gray, que abusa do ego vendendo sua alma para obter vantagens de formas cada vez mais distorcidas. Acho que aqui vale frisar que a letra se encaixa em diversas dessas estórias, porém, as reais, de relações destrutivas entre pessoas e até consigo próprio, por vícios, pensamentos narcisistas ou outras peças que o ego e as neuras pregam em todos nós. Apesar da tensão geral que a música provoca, gosto de pensar que, apesar de contarmos o horror nas estrofes, o escape heróico nos refrãos como contraponto vigora e a esperança pode triunfar no final – para todo mundo que passe por situações delicadas como essa percebam que sempre existe uma possível saída para vivências assim. Mas, para isso, é necessário, sim, ceder o controle e pedir ajuda, pois ninguém nessa vida se faz e se mantém por si só.
VM: Com certeza há planos para o sucessor de O Som E A Cura, embora talvez este nem seja o melhor momento para se pensar nisso, quando a prioridade é a sobrevivência... mesmo assim, o que você pode adiantar a respeito de um segundo play? E mais: um DVD estaria em pauta?
FN: Vivemos constantemente esse dilema: fazemos um disco do zero ou vamos continuar nos singles? E realmente acho que há espaço para ambos. Mas tudo depende do calor do momento e da possibilidade (nem sempre fácil) de empregarmos todos os seis da banda com a mesma energia num projeto que é como um livro, em que cada música é um capítulo que normalmente conversa um com o outro. Talvez, se a banda fosse nossa principal profissão, isso seria mais fácil, mas como elaborar leva tempo para a gente e sempre temos que correr atrás do ganha-pão de outras formas, me parece fazer mais sentido lançar singles ou EPs com maior freqüência do que esperar tempo demais para soltar um disco inteiro em que apenas uma ou duas faixas serão valorizadas. No caso de singles e EPs, cada uma se torna importante e bem trabalhada. Já um show gravado deve sempre ser um sonho de consumo, uma meta alcançável para retratar aquela boa fase de toda banda e não é diferente para a gente. Acho que, na medida em que a pandemia passar e lançarmos mais algum material, teremos um show bem bacana para gravar. Não que a gente já não pense e não anotemos idéias para a produção desse DVD, mas ainda temos um bom caminho até concretizar esse lance.
VM: Há chances de incluírem participações especiais num futuro álbum? De repente algum dueto em vocal feminino?
FN: Ora, se trouxemos, logo de cara, o Luiz Carlini para participar de “Eu Sou O Cara”, com uma slide guitar fenomenal, nada nos impede de propormos novas participações futuras. Acho que participei de mais bandas com vocais mistos do que as em que cantei solo e adoro compartilhar músicas, palco e abrir vozes – lembrando que comecei cantando em coral lá nos Estados Unidos e isso foi delicioso. Vivi o “Glee”, só que nos anos noventa, e a experiência é de arrepiar. Então, para mim, é intuitivo, familiar e confortável fazer duetos com quem quer que seja.
VM: Encerrada essa seqüência de perguntas musicalmente cronológicas, vou fazer outras meio “jogadas”, sem relação entre elas. Para começar, de modo geral, quais suas maiores influências, mais especificamente, sejam elas musicais ou em outras esferas?
FN: Minhas referências são tão diferentes umas das outras, mas ao menos conversam pelo fato de serem boa música! Basicamente, a maior parte da minha influência está no hard rock cantado em inglês. Sejam bandas que surgiram nos anos setenta ou que fizeram mais sucesso nos anos oitenta, como Van Halen, Extreme, Journey, Mr. Big, Living Colour e Bon Jovi, essa sonoridade sempre me atraiu mais do que o metal. E não que eu não curta metal, mas os riffs simples do AC/DC e os vocais de pressão de Sammy Hagar, David Coverdale e Freddie Mercury falam mais comigo do que vocais melódicos ou guturais. Curiosamente, foi a partir do rock estrangeiro que comecei a conhecer o rock nacional e minhas bandas brazucas favoritas são: Barão Vermelho (tanto com Frejat quanto com Cazuza), Legião Urbana e Lulu Santos. Sempre curti demais as letras tanto do Renato quanto do Lulu e, com o tempo, comecei a apreciar e perceber que as músicas que mais fizeram sucesso no rock nacional eram as que tinham vocais mais graves, de barítonos. E isso é muito louco, pois a gente cresce achando que cantar agudo é melhor ou mais importante do que cantar em regiões mais confortáveis ou graves. Seja como for, aprendi a gostar de vozes diferentes, pois depende do que a música quer passar e o fato de o artista se esforçar para sair da zona de conforto, não só a capacidade de agüentar cantar o tempo todo numa mesma região vocal. Além deles, curto demais soul music de todos os tempos, estrangeira e nacional, o som acústico da country music, do southern rock e do bluegrass, as letras e sons de John Mayer e John Legend, alguns sons latinos, árabes e asiáticos que passei a conhecer mais recentemente, além das influências do Rat Pack vindas do meu pai e árias de óperas cantadas pelos três tenores que eu ouvia com minhas avós no sítio quando era pequeno. De modo geral, acho que a banda é um complexo de referências que ainda vai longe e daria um livro só para tentar traçar tudo que influencia a gente.
VM: Outra clássica para o momento é: como a pandemia afetou vocês pessoal e musicalmente? Digo, o que estava engatilhado e precisou ser colocado em compasso de espera?
FN: O mundo parou e escancarou verdades: que música e arte, em geral, são essenciais para manter a sanidade e a grande maioria das pessoas não as valoriza como deveria, nem nas escolas de base, nem no mercado de modo geral. Todo mundo quer música, mas ninguém quer pagar devidamente por ela. Plataformas passaram a bombar com músicas inseridas dia a dia, mas quem rala, compositores e músicos, não se sustenta com sua arte, mesmo com milhões de visualizações. Todos que participam do circo do entretenimento (montadores de palco, técnicos, roadies, casas de show, lojas físicas de instrumentos artistas, etc.) foram esquecidos pelos governos e continuam de mãos atadas. Estúdios fecharam, a esmagadora maioria daqueles envolvidos no meio musical teve que mudar de profissão para sobreviver ou se adaptar, como escolas e professores de música – sem falar daqueles que, de imediato, não tinham provisões para se manter e precisaram contar com a boa vontade e cestas básicas oferecidas pelos mais próximos. Ainda assim, a venda de instrumentos continuou e as pessoas redescobriram, como que por um milagre, o quão bem faz tocar um instrumento ou o quanto cantar espanta os males. Não é triste porque é óbvio, mas pelo fato de só quando acontece uma merda gigante que abala a estrutura física e emocional do mundo é que a maioria das pessoas passa a dar valor ao que deveria ser simples e sempre presente. Ainda vai levar um bom tempo até que a música deixe de ser abusada e prostituída, mesmo quando o mercado do entretenimento voltar a funcionar, de fato. No caso do PAD, já que o ser humano, de modo geral, é bom de improviso e de se adaptar ao meio, a gente segurou a onda, mas continuamos trocando figurinhas de longe para pré-produzir coisas novas. Ao mesmo tempo, continuamos metendo pressão nas mídias para manter a chama acesa, que é o que dá para fazer no momento.
VM: Como é a interação de vocês com os fãs nas redes sociais? Há alguma delas que funcione melhor? Qual dos seis membros tem mais interesse nelas?
FN: Comunicação livre, direta e aberta, com ética e respeito, é o que funciona melhor sempre. Usamos as redes mais conhecidas, como YouTube, Instagram e Facebook, para mostrar nosso material como banda e nosso dia-a-dia através das nossas contas pessoais. Acho que o Will, sendo o incrível produtor que é, é quem mais conhece os meandros tecnológicos para alcançarmos mais ouvintes e potenciais fãs. Acho que aquela coisa do artista ser um ente inalcançável já não funciona mais: antes muita gente queria ser igual a um certo artista; agora, a maioria quer apenas uma selfie ou ser amigo dele ou dela, até porque as pessoas passaram a enxergá-los como pessoas normais que têm problemas iguais a todo mundo. De certa forma, isso equalizou um pouco a proporção dos desconhecidos em serem mais vistos, fazendo com que os notórios descessem do pedestal para estar ao alcance do público.
VM: Na live, rolou um bis literal, pois vocês a encerraram com um replay de “Not So Vain”. Como isso é definido e por que ela exatamente? É uma decisão planejada ou rola ali na hora? E ainda bem que foi ela, pancada perfeita para encerrar a noite em alto astral!
FN: Você falou tudo: é a pancada perfeita para encerrar a noite em alto astral!
VM: Analisando o setlist, o “show” foi centrado em O Som E A Cura, como nem poderia deixar de ser. Na prática, mesmo mudando a seqüência das dez faixas, vocês o tocaram na íntegra, além de incluírem os outros singles. Em português claro, vocês mostraram tudo que tinham para tocar. Como é alterar a ordem do álbum? Suponho que suas músicas sejam planejadas segundo um critério artístico e deve ser o maior barato a “brincadeira” de rearranjar tudo para fazê-lo ao vivo.
FN: Puxando o gancho da pergunta anterior, como a gente tem músicas bastante diferentes, a cadência de um show que passa da porrada para o obscuro, vai para o emocional e termina leve e para cima é uma maneira de fazer com que ele seja significativo, faz as pessoas se lembrarem de cada momento (por isso não perdemos tempo e ligamos bem as músicas com interações e curtas resenhas que façam sentido) e as induz a querer ouvir mais novidades e notar nossas reinvenções. Todos da banda têm perfeita noção de que escolher bem o setlist faz uma diferença enorme para um show se tornar uma experiência completa e perfeita e realmente é divertido mudar a ordem do disco até durante o show, quando a gente sente que certo momento pede que uma canção específica seja tocada, mesmo saindo da ordem. E essa sacada também é uma arte sensível e necessária que pode transformar um show miado em algo gigante.
VM: Falando em shows, por nunca tê-los visto, fiquei curioso: vocês costumam tocar algum cover ao vivo? Ou o foco é total no próprio repertório?
FN: No começo da banda, fazíamos alguns covers do Barão, AC/DC, Ultraje, Foo Fighters e uma vez até fizemos “Viagem Ao Fundo do Ego”, da incrível Egotrip, para adicionar tutano ao nosso repertório. Como ainda tínhamos poucas músicas, era natural adicionarmos outras que faziam sentido para a sonoridade que estávamos trabalhando, mas aos poucos fomos substituindo por nossas próprias composições. Sempre que pinta um show, a gente considera colocar um ou outro cover, mas tudo também depende da vibe do show e do humor tanto do público quanto da banda. Se dá jogo, a gente manda o que o público pedir (e estiver na ponta do dedo e da língua!).
Foto: Caike Scheffer (@caikescheffer)
VM: Além do PAD, você é membro do mencionado The Soundtrackers, que, como sugerido, toca trilhas sonoras. A banda foi fundada pelo saudoso Rodrigo Rodrigues, autor de livros de viagens a Londres e Paris, ex-comentarista da ESPN Brasil e que trabalhava no Sportv à época de seu falecimento em decorrência do maldito Covid-19 em 28/07. Neste dia, o canal de esportes vinculado à Globo fez bela homenagem e só não fiquei impressionado com as estórias contadas pelos colegas sobre a generosidade dele porque cruzei com o Rodrigo no corredor de um prédio comercial em Pinheiros uma única vez, tivemos oportunidade de conversar rapidamente e ele foi super acessível ao ser reconhecido por mim, um completo estranho. Enfim, onde e quando você o conheceu? Você poderia dividir alguma estória sua com ele, para seguirmos prestando tributo ao “RR”?
FN: Como comentei anteriormente, minha trajetória com o RR começou por volta de 2007 quando eu tocava no Finnegan’s Pub, na Cristiano Viana, em Pinheiros. Nosso quarteto se chamava “Na Trave”, pois a gente tirava as músicas em casa, não ensaiava nunca e virava-e-mexia a gente escorregava nas notas de uma forma bastante bem-humorada. O Trave foi a base dos Soundtrackers, com o baixista e luthier Fabio Effori (o futuro Forrest Gump dos Trackers), o tecladista e produtor Eron Guarnieri (hoje no Funk Como Le Gusta), o guitarrista e também produtor Danilo Barbalaco na bateria e eu na voz e violão. O som era genial, o entrosamento absurdamente divertido, a gente abria vozes em cima de um repertório Antena 1 e soft rock de dar inveja e foi isso que, numa noite dessas, o Rodrigo, que já conhecia e foi prestigiar o Effori, acabou notando e despertando o interesse. Ele passou a freqüentar o bar às quintas-feiras em que tocávamos e acabamos todos nos tornando bons amigos a ponto de ele propor a idéia dos Soundtrackers algum tempo depois, coisa que ele já havia tentado fazer funcionar outras vezes anteriormente, mas não teve sucesso. O Ro era um dos caras mais inteligentes e perspicazes no que ele fazia ou por onde ele passasse. Escrevia e falava incrivelmente bem e sua simpatia e sarrismo carioca abriam, sem esforço, amizades e portas em tudo quanto era canto. Da mesma maneira, ele tinha foco e visão de jogo únicos, que foram o que manteve a banda funcionando por todo esse tempo – coisa que toda banda sofre em alguns momentos ao longo da sua trajetória. Acho que foi observando-o de perto nos palcos e camarins, pelos livros ou de longe, na TV, que me inspirou a ter mais segurança para caminhar por outros projetos, a falar melhor nos palcos e também a escrever com mais propriedade. Mesmo com os Trackers, ele me cutucava para voltar a fazer sons com o Trave, mas sempre foi ciumento dos amigos e por um tempo ficou quieto quando começamos o PAD. Quando ele percebeu que o PAD não era nada demais, ele passava a provocar o Kleine diretamente mandando mensagens e até os últimos instantes a gente sempre tirava sarro um do outro. Foi assim a vida inteira e o curioso era que, assim como ele, o Kleine também afirma que não dá para se levar a vida tão a ferro e fogo. Não que você não tenha que procurar fazer seu melhor e ser bom, mas que a seriedade do dia-a-dia, da vida real, não pode bloquear seus sonhos e suas vontades. E foi assim que o RR viveu, intensamente, falando coisas incríveis em seus livros, nas suas apresentações pela TV ou com a banda e mostrando a todos e a mim, principalmente, que você pode ser grande sendo gentil.
VM: A próxima pergunta se torna inevitável: após o falecimento do Rodrigo, The Soundtrackers entrou num hiato, como você mesmo afirmou na live. Como se passaram quase cinco meses desde o anúncio nesse show, gostaria de saber se houve alguma mudança de status, afinal de contas, retomar as atividades do grupo seria mais um modo de prestar homenagem a ele, não?
FN: Por enquanto, continuamos seguindo quietinhos, cada um no seu canto. O baque da morte do Ro nos fez sentir dezenas de coisas e acho que um denominador comum foi que não havia sentido em fazer uma homenagem a ele enquanto a pandemia vigorasse. Bandas são aglomeradores naturais e essa é intenção: unir pessoas pela curtição de estarem juntas ouvindo música bacana, se divertindo e sendo felizes adoidado. Enquanto provocar esse tipo de coisa colocar em risco as pessoas, de modo geral, acho que seria uma afronta à memória do Ro, que evitou a todo custo nos expor ao coronavírus, fazer um show sem público. Todos que participaram da banda e amigos entenderam que, quando essa homenagem rolar, vai ser um estrondo de barulho e emoção gigantescos, como ele merece. O que será da banda a partir de então, ainda não fazemos idéia. Só o tempo irá dizer.
VM: Todo mundo acaba conhecendo mais o Marcos Kleine, por motivos óbvios. No geral, ajuda mais ou atrapalha um dos membros do PAD ser de uma banda do porte do Ultraje A Rigor e estar na TV cinco vezes por semana no The Noite Com Danilo Gentilli?
FN: Para mim, o Kleine é gigante por si só. Ele traz peso e talento por onde quer que passe e sorte a nossa em termos nos tornados todos uma família. O fato de ele estar, já há um bom tempo, no Ultraje e na TV só atesta o quanto isso é tão importante para todos nós, quanto é para eles. Afinal, o The Noite é um dos pouquíssimos programas da TV aberta que tem, como parte fundamental da equipe, uma das maiores bandas brasileiras de rock em todos os tempos ainda em vigor, ainda na cena e que ainda faz barulho por onde passa. E enquanto outras inúmeras bandas e artistas dos anos oitenta ou noventa continuam se esforçando para se manter no cenário e bandas mais recentes lutam para serem minimamente reconhecidas. Assim, o Ultraje continua sendo um exemplo para todos que, como nós, acreditam no rock nacional e conseguem levar, com o bom e inteligente humor de sempre, as tirações de onda do programa.
VM: Antes disso, Kleine era do Vega e do Exhort, você está no The Soundtrackers e há várias outras bandas no DNA do PAD: Sikz, Trinta E3 e Äive (Will); Colony e Dr. Sin (Simão); Owl Company, Carranca Trio e Two Of Us (Thiago); e Pit é produtor musical e maestro de bandas de eventos. Tal combinação traz uma bagagem musical riquíssima em função da quantidade de experiências e profissionais com quem vocês já tocaram. Como misturar tudo para formar uma química única?
FN: Com respeito e admiração mútuos. Além disso, todos na banda sabem e respeitam a capacidade contributiva real, artística ou financeira de cada um para que a coisa funcione bem. Ninguém se sente preterido, menor ou melhor do que os outros dentro da banda, independentemente de como cada um contribui e isso faz toda a diferença. E outra: estamos juntos há quatro anos, já fizemos coisas incríveis e temos tido feedbacks dos mais positivos em diversos circuitos – só por isso podemos dizer que estamos fazendo bonito, segurando uma onda absurda com o lance da pandemia e, se todos continuarmos seguros e bem, tudo indica que vamos continuar oferecendo mais e melhores sons por aí!
VM: Partindo para o final do papo, Pit foi membro de dois conjuntos de “fora do rock”, por assim dizer, e sempre há quem não entenda que um músico profissional tem todo o direito de fazer o que quiser e, até para pagar as contas, por vezes tocar outros estilos. Alguma vez vocês sofreram preconceito no “universo rock” por ele ter integrado Os Travessos e Sensação E Intuição?
FN: O Pit é um dos caras mais nobres e esforçados que conheço. Eu já tinha feito alguns jobs com ele e fiquei sabendo de muitas coisas que ele já tinha feito por aí, trabalhando em bandas diferentes e conduzindo, com maestria e jogo de cintura, produções das mais diversas. Por essas e outras, quando ele veio conversar comigo em 2015 sobre a possibilidade de sermos parceiros no meu Green Man Studious, fiquei muito feliz por ele ter curtido nosso espaço e, aos poucos, fomos nos adaptando como podíamos para fazer a coisa dar certo. Não fosse o mercado nada propício, teríamos continuado nossa parceria no estúdio por um bom tempo. Mas nem por isso o amor morreu e continuamos firmes, fortes e juntos no PAD. Quanto ao preconceito, muito pelo contrário! Ele e todos nós lidamos, com muito bom humor, com o fato de ele jogar bem em frentes diferentes e, além de tudo isso, dá estória para contar. Tanto como guitarrista quanto como produtor, o Pit é tão genial que sabe quando e como colocar mais ou menos instrumentos numa música, seja ela de qual estilo for. Além do mais, ele poderia ser o rei do axé e ainda sim continuar fazendo sofisticados arranjos de cordas como o que fez para “Um Sopro”. Está aí o argumento mais poderoso de todos.
VM: Para “empacotarmos tudo”, um apanhado geral: desde o lançamento do primeiro single de vocês, “Not So Vain”, em junho/17 (ou daquele primeiro ensaio sete meses antes), o que mais mudou na carreira e na vida de vocês de lá para cá?
FN: A percepção de que, quando todos num mesmo núcleo conseguem sintonizar a mesma energia, a parada flui com uma magia enorme e se torna possível realizar feitos incríveis. A pandemia quebrou todos nós de alguma maneira, perdendo entes, trabalhos e por vezes até a razão. Mas o que ela nos trouxe foi a chance de enxergar que tudo que temos feito nesses quatro anos de banda tem feito bem demais a nós e a uma porção de gente que passou a curtir o PAD. E, na real, isso é o que nos faz seguir em frente e continuar produzindo mais e mais coisas que toquem a verdade das pessoas.
VM: Muito obrigado pelo tempo e paciência para responder tudo [risos]. Espaço aberto para sua mensagem final:
FN: Vagner, obrigado pelas incríveis perguntas que faz com que nos incentive a trazer o melhor de nós! Que essa entrevista possa responder uma série de perguntas que muita gente já deve ter tido sobre a banda e sobre a dura realidade de se construir e manter uma funcionando, mas que ela também inspire mais pessoas a ouvirem música boa ou montarem um conjunto para chamarem de família e se divertirem de alguma maneira, pois é assim que a gente se enxerga. Para quem quiser continuar acompanhando nossa saga, é só procurar por “@oficialPAD” nos principais canais de mídias sociais e streaming que estaremos por lá postando mais e mais coisas interessantes para todo mundo curtir! Um grande abraço e obrigado por essa incrível oportunidade!
Dado o recado, fique por dentro das novidades em:
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Assessoria: Isabele Miranda @isabelemirandatv
Foto: Angelo Pastorello (@angelopastorello)
Bacharel em inglês/português formado pela USP em 2003; pós-graduado em Jornalismo pela Cásper Líbero em 2013; professor de inglês desde 1997; eventualmente atua como tradutor, embora não seja seu forte. Fã de música desde 1989 e contando... começou a colaborar com o site comoas melhores coisas que acontecem na vida: sem planejamento algum! :)