Soul Barbeccue
Psicodelia. Jazz. Progressivo. Erudito. Muitas bandas dos anos 70 no Rock’n’Roll usaram e abusaram desses elementos em suas músicas, tornando o Rock não só um estilo musical de “rebeldia”, e sim o elevando a mais pura e extrema forma de Arte Musical. Mas com a chegada do Punk Rock e da Disco Music, isso foi sendo deixado de lado, com poucas bandas se arriscando a fazer um som desse tipo... Mas em São Paulo, na Serra da Cantareira, o Soul Barbeccue vem lutando já a algum tempo mostrando sua arte calcada nesses elementos! O Alquimia Rock Club conversou com o baixista André Mainardi, num papo cheio de conceitos e filosofias musicais. Ele que, ao lado da guitarrista e tecladista Camila Antonelli, vem reformulando a banda, com material novo a ser lançado e uma nova formação!
Alquimia - Começamos com a banda explicando a curiosa frase no MySpace oficial, “Antiqua Scientia Astromusicalis”.
André - É um conceito muito antigo; esta é uma maneira peculiar de nos referirmos à “Teoria da Música das Esferas”, existente em tratados músicais que datam da Antiguidade Greco-Romana e que, no medievo, foi amplamente discorrida no tratado De Instituitione Musica de Anicius Manlius Severinus Boetius, (Boécio). Trata-se de um conceito muito complexo envolvendo música, astronomia e, segundo muitos acreditam, Alta Magia.
Alquimia - A banda já lançou alguns singles via net, e agora está preparando seu primeiro álbum oficial. Como estão sendo as preparações para esse lançamento? Vocês disponibilizarão algumas músicas na Internet, como vem fazendo?
André - Na verdade, no final deste ano, lançaremos um single oficial; será um disquinho no formato SMD, (Semi Metalic Disc) com cinco músicas, sendo três inéditas. Resolvemos dedicar boa parte do ano domini de 2009 nesta produção; abandonamos temporariamente os palcos em nome da qualidade deste material. Estamos fazendo as sessões no estúdio Cantareira dentro da Escola Superior de Música, (Faculdade Cantareira) com a supervisão do engenheiro de som e concertista Ricardo Hiroshi Marui. As cozinhas, (piano, baixo e bateria), e boa parte dos overdubs já estão gravadas. Enfim, falta pouco. Optamos por deixar de lado aquela ditadura do órgão Hammond, deixando pintar mais a conversa do piano com o baixo e a batera. O reforço melódico fica por conta do saxofone e flauta do Fellipe Nosor, novo membro do grupo, e do uso de mini-moog e órgão Farfisa, novidade no nosso som. O lance ta correndo solto, mais free, mais jazz... Sonoridade mais orgânica, saca?
Assim que for devidamente lançado, o single estará disponível apenas para audição na Internet. Estamos estudando umas parcerias de distribuição pela web via download pago.
Alquimia - A produção e masterização serão feitas por nomes já consagrados no meio do Rock, como o protudor Diógenes Burani (Moto Perpétuo, O Bando) e o produtor Cesare Benvenuti (Terreno Baldio, Tom Zé), Como chegaram até eles?
André - O Diógenes é cara muito querido pela gente. Travamos contato na época em que eu e a Camila estávamos tocando no Apokalypsis e logo de cara fizemos amizade; ele se indenficou muito com nosso estilo de compor, já que ele também aprecia essas mudanças loucas de andamento e fórmulas de compasso. Quanto à parte da produção, são mais “toques de irmão” e conselhos, não se trata de um esquema formal. Gravaremos uma música dele com arranjo nosso... Ele e o Cesare são profissionais lançados impiedosamente no fundo “Poço do Esquecimento” pela derrocada da industria do disco, mas ainda têm muita “bala na agulha”... Será primordial a participação deles.
Alquimia - A Soul Barbeccue tem um som extremamente complexo, com várias influências no seu som, mas duas delas se destacam bastante: o progressivo e a psicodelia dos anos 70 e a música erudita. Como é a forma de composição de vocês?
André - É uma questão deveras complicada. Está certo que, algumas vezes, lançamos mão desses rótulos surrados para nos fazer entender pela audiência, mas gostaria de deixar claro que não somos simples “ filhotes de Black Crowes” desses que pululam por aí. Nós somos o que ouvimos, nunca negamos isso, somos apaixonados pelas válvulas e sonoridade vintage, mas nem por isso deixamos de ambicionar o vanguardismo musical. É triste pensar que a evolução do rock, enquanto música, parou no Gentle Giant. A única coisa que vale a pena na triste carreira do músico é a música e o pessoal do rock deveria pensar mais nisso e deixar um pouco de lado o visual e o falatório... Immutemur habitu in cinere et cilicio... As nossas composições são encadeamentos de melodias que nos agradam, cuidamos delas com carinho e esmero... Apreciamos fazer nossas primeiras experiências em torno de uma folha pautada, é mais livre; Ao contrario do que rezam as premissas roqueiras, o conhecimento musical liberta... salva! A Música é um deus vingativo e ciumento, se não acenderes devidamente os fogos em seu altar, ela te esmaga e te humilha até te tornares o mais infeliz entre os seres.
Alquimia - Apesar do som ser bem complexo, vocês já até tocaram em Festivais, como o Psicidália e o Rock Camping. Como está sendo a aceitação do material da banda na mídia e no público?
André - Sempre há aqueles que apreciam nossas esquisitarías. A procura pelo nosso Myspace tem sido cada vez maior no Sul do país e na Europa, além, é claro das pessoas que sempre nos acompanharam. É um público restrito, porém fiel e apaixonado, ávido por música cerebral.Contra todas as nossas expectativas, no meio acadêmico nossa música tem sido muito valorizada; o interessante é que na Academia não existem rótulos, classificações mirabolantes ou palpitagem infeliz, a música e nós, enquanto músicos, é o que tem real importância. Todos se vestem de preto e não há fogueira de vaidades... Todos fazendo suas libações com paixão e desapego no altar do vingativo Deus Música.
O Psicodália é um evento bem organizado e está se expandindo e é, sem a menor sombra de dúvida, a melhor coisa no estilo realizada aqui no Brasil em todos os tempos, e temos orgulho de ter tocado lá e de ser a banda do Palco do Sol mais votada na comunidade orkutiana do evento. Já o Rock Camping foi algo embrionário, precursor, pena que a repercussão foi extremamente mal aproveitada pela organização. O evento acabou perdendo seu foco e caiu em “mãos erradas”, penso eu.
Alquimia - Como foi participar do Movimento 70 de Novo ao lado de grandes noms do Rock Paulistanos dessa época, como a banda Apokalypsis, Cezar de Mercê do O Terço e o Gerson Conrad, do Secos & Molhados?
André - É bem débil mental mesmo! Dividir o palco com pessoas que você cultuava e pagava pra assistir quando jovem pode ser bem gratificante e prolífico; uma massagem no ego. Também pode gerar certo desconforto e decepção.Fizemos grandes amigos como o Zé Brasil, a Silvinha, o Diógenes, o Rodolfo Braga, o Cezinha, mas tem gente que ainda não se tocou que vivemos em outros tempos... Quarenta anos já se foram e certos senhores não conseguem nem ao menos despencar do alto de sua arrogância. Mesmo assim foi algo positivo e que até hoje nos rende bons frutos
Alquimia - Todos na banda são profissionais, estudantes de Universidades e vários outros projetos paralelos. Como vocês vêem o profissionalismo musical no Brasil dentro do Rock’n’Roll? E a dificuldade de uma banda que tem o som bastante trabalhado como vocês tem de mostrar seu trabalho?
André - Esta é uma questão ainda mais complexa! Somos profissionais sim e nos esfolamos na vida acadêmica. Por usarmos cabelos compridos e tocarmos música taxada como rock, temos que ser duas vezes mais esforçados e competentes – o preconceito é grande! Viver de rock’n’ roll nesta “latrina tropical” é impossível. Ao contrário do que todos pensam, ganhar o pão de cada dia com a música não é legal, nem romântico, muito menos divertido! É uma vida monástica, austera e sofrida - para não dizer triste. Mais frustrante ainda é ter que disputar espaço no mirrado cenário com imbecis que se levam a sério demais, que tem o ego dos semi-deuses, ( Ah... estou farto de semi-deuses... Fernando Pessoa ), e que não tem conhecimento e autoridade alguma para fazer ou falar sobre música. E temos também os organizadores de festivais e donos de casas noturnas que pensam que temos a obrigação de pagar pra tocar. Nunca exigimos cachê em nossas apresentações, por outro lado ter de arcar com todas as despesas, transporte de equipamento, estadia e alimentação é um tremendo ultraje! Algumas pessoas se sujeitam a isso em nome do “rock’n’roll” e ainda se sentem orgulhosas e grandiosas. Enquanto esses “fantoches” não se organizarem, a coisa não vai mudar – se até o crime se organizou, se até os catadores de lixo se organizaram... Investimos muito em nossa carreira e instrução! Antes de nos acusarem de ostracismo, de estrelismo e outros “ismos”, certos senhores deviam se informar melhor sobre as dificuldades de se encarar uma prova de solfejo, contraponto, ou de uma prova de instrumento com banca julgadora... Todos nós seguiremos carreiras acadêmicas; pretendemos ganhar a vida com outras atividades dentro da música. Tocamos no Soul Barbeccue por amor a nossa música, mas isso não significa que somos idiotas e sairemos pelo mundo a custear nossos shows, que deveriam, na verdade, nos custear a vida!
Alquimia - Nesses sete anos de trabalho, quais foram as felicidades e mágoas que a banda já passou?
André - Em quase uma década, a felicidade é ter pessoas que nos acompanham por amor a nossa música, ter o reconhecimento acadêmico de nossas composições, receber elogios de velhos e honestos roqueiros como João Kurk, Diógenes Burani, Cezar de Mercês, tocar com músicos excelentes, fazer amigos em distantes localidades, influenciar musicalmente e orientar a músicos com menos idade afim de prepará-los para o cruel destino que os aguarda. Só não vou falar das mágoas... Falar de cada cretino que nos usurpou e traiu em todos estes anos demandaria páginas e páginas e por outro lado tal assunto nos causa fastio, TÉDIO... Estamos devidamente vacinados contra este tipo de estupidez! A música é muito maior que isto... talvez esta seja a nossa maior felicidade... um dia vamos morrer e nossas músicas irão perdurar... et saecula seculorum; no obscurantismo ou não, irão perdurar... Disso temos certeza!
Alquimia - Na Serra da Cantareira – bairro onde a banda nasceu – tem várias bandas que ás vezes se juntam para promover seus trabalhos. Como está a “cena” Rock’n’Roll ai na Serra da Cantareira?
André - A cena do Rock da Cantareira surgiu em torno da gente, e de certa forma, apesar de serem da Móoca, do Massahara, nossos mais antigos camaradas. Por muito tempo, nós do Soul Barbeccue, responsáveis pela criação desse nome, insistimos nessa cena; carregamos amplificadores nas costas, promovemos espetáculos, (Mercado das Pulgas I e II, A Vez do Kabelo Crescer e próprio Rock da Cantareira... todos lotados!), e criamos, com apoio de pessoas interessadas, até um órgão de imprensa, A Revista Só e mais tarde o Jornal Coletivo sÓ, afim de fomentar a cena. Batalhamos pela formação da identidade de uma cena musical concisa neste local fantástico modificado pela passagem da maior banda de rock que esta “lata de lixo sulamericana” já teve, Os Mutantes. Muitos dos meninos que integram estas bandas são filhos de pessoas que conviveram com os Mutantes e tiveram sua vida modificada pela boa música deles. Seria importante criar um movimento que fizesse frente a essa “máfia do underground paulista”, ávida por bandas de outros estados que usurpam nosso já pequeno espaço na mídia. Sempre fomos recebidos com desconfiança, a desunião sempre superou qualquer tentativa de organização... Carregado(s) e farto(s) de pregar às pedras e de propor justiça a um mundo pecador, como diria Mestre Elomar, resolvemos deixar a coisa correr a seu próprio modo, ou seja, desorganizado e desunido! O Carro de Apolo solitariamente cruza os céus, para a honra e a glória do Senhor dos Diademas de Fogo, enquanto Apepis e seus demônios observam atônitos! Antes só do que mal acompanhado! It Missa est!
Alquimia - O Alquimia Rock Club agradece a entrevista e deixa o espaço aberto para a banda.
André - Nós é que agradecemos ao Alquimia por agüentar nossa eloqüência! Aguardem novidades! Em setembro estrearemos a nova formação do grupo, com arranjos novos, músicas novas. Temos ainda um bom material de gaveta para disponibilizar gratuitamente na web... Continuem visitando nossas páginas e nos apoiando! Viderunt Omnes!
Músico formado em composição e arranjo, atualmente expande seus estudos musicais na UNIS em licenciatura. Possui DRT em Jornalismo e Produtor Cultural e trabalha na área de criação musical, com já fez trabalhos em produções artísticas, rádio e TV.