Resenhas

Opeth - 2011 - Heritage

Por Fabiano Cruz | Em 29/09/2011 - 22:04
Fonte: Alquimia Rock Club

Antes de qualquer coisa sobre o disco, tenho que falar que o Opeth é uma das - talvez a mais – complexa banda dentro do Heavy Metal hoje em dia. A ousadia do líder e principal compositor Mikael Åkerfeldt é algo que não tem como descrever; quebrou barreiras ao acrescentar dentro do Death Metal inúmeras influências de outros estilos musicais, como o Progressivo, o Fusion, o Erudito, mas não de uma maneira tímida ou citações em solos e acordes, e sim de uma maneira bem influente e escancarada. Isso faz sua discografia ter discos totalmente distintos um do outro, sempre imprevisíveis onde a cada audição nos surpreendemos com detalhes e elementos composicionais que somente escutamos após cuidadosas apreciações.


Não teria como Heritage vir diferente. Åkerfeldt avisou na época das gravações que o trabalho seria diferente de tudo que já fizeram, bem mais voltado ao Progressivo, algo quando lançaram Damnation. O que ninguém esperava era um disco ousado, complexo, surreal. Realmente a banda deixou de lado seu lado Death Metal, mas não deixou suas características sonoras; o disco, num todo, é melancólico, denso, triste – o mais da banda. Mas ao mesmo tempo é belo, intrigante. As composições são riquíssimas, indo totalmente contra as produções de hoje em dia, onde em um mundo onde cada vez menos as pessoas prestam atenção à Arte Musical, pois se escuta com um fone de ouvido no meio da rua, se escuta estudando, lavando um carro, fazendo outras tarefas, se escuta vendo TV ao mesmo tempo ou até mesmo conversando com outra pessoa. Heritage não é um disco assim, é para ser escutado com calma para que possa assimilar todas as informações nas canções.


A faixa título abre o trabalho de uma forma totalmente Erudita, uma peça no piano que mostra influências de compositores românticos, que dá espaço para a The Devil’s Orchard, uma das melhores composições da banda, o trabalho de riffs, solos e timbres, juntando ao peso do Opeth o Progressivo e o Fusion, faz da música algo extraordinário. I Feel the Dark começa lenta e vai progredindo a uma parte mais pesada, o uso de violões dá um toque sutil à melancolia do som; é difícil descrever o que esse som faz com quem escuta – pelo menos o que fez comigo -, pois é uma sensação de estar sozinho na escuridão sem poder sequer se mover. O clima denso é um pouco quebrado com a homenagem ao Eterno Dio Slither, uma quase Hard Rock setentista, com bastante influências das bandas em que Dio passou no começo de carreira.


Me faltam palavras para descrever a sequência a seguir do disco. Nephente é belíssima com reminiscências da música brasileira, principalmente na condução de baixo e bateria (prestem atenção ao tempo e notas). Häxprocess tem um clima meio saudosista, meio depressivo com uma forte levada jazzística. Famine é surreal... o uso de flauta tocada de formas bem experimentais (como sugando o ar em vez de assoprar e falando ao mesmo tempo em que entoa as notas, entre outras formas de tocar), de percussões bem tribais e vários efeitos em sintetizadores podem causas novas sensações ao ouvinte, tudo num universo bem progressivo.


A curta The Lines in My Hands tem uma levada bem complexa e quebrada se torna uma canção totalmente imprevisível à primeira audição, abre espaço para Folklore, mais uma do Heritage que figura entre as melhores composições do grupo. A mais jazzística e experimental do disco é riquíssima com uma bela harmonia e levada de baixo e bateria; soa em certos momentos psicodélica. O disco fecha com Marrow of the Earth... instrumental, ta entre as mais belas e melancólicas faixas da banda...


Os músicos em si chegaram a um patamar musical inacreditável, todos, mas dois se destacam. Um é o próprio Mikael Åkerfeldt. A clara evolução que adquiriu tanto na voz, guitarra e composição é incrível. Como o cara ta cantando! As variações de timbres que ele consegue tirar da voz limpa e as várias formas de canto que gravou no disco é impressionante. E como compositor e letrista... As músicas são muito bem detalhadas, como já disse, complexas, ricas, e as letras são fantásticas. Melancólicas e tristes, algumas partes chegam a incomodar... O outro destaque é Per Wiberg. Abandonando a banda logo após as gravações, o tecladista usou um arsenal de instrumentos e timbres – desde o piano clássico ao Fender Rhodes e sintetizadores – e deixou as teclas como a base mais importante das canções; seus arranjos nos acordes são fantásticos, os timbres muito bem pensados e estudados, efeitos que geraram muito do clima do trabalho e os solos perfeitos. Claro que não podemos deixar de lado a produção feita pelo mestre Steve Wilson em mais um grande trabalho. O disco foi lançado em várias edições, desde Cd simples a um Deluxe Box Set, mas o que vale pegar é a edição com DVD, que contem duas bônus (Pyre e Face in the Snow, duas músicas que poderiam fazer parte do disco, tamanha qualidade que tem) e o “making of” da produção e gravação de Heritage.


O disco em si, como já disse, é para ser escutado com calma. A sensação depois de apreciá-lo é de um vazio interior, misturado a uma beleza e calma “universal”; parafraseando um conhecido, a sensação é de sentar sozinho numa mesa de jantar estilo real somente com pratos e talheres. Muitos fãs antigos vão meter o pau pela falta dos elementos mais Heavy da banda, mas nada vai apagar esse trabalho que é simplesmente magnífico – particularmente, um dos melhores discos que escutei – que está entre os melhores do ano. Se não for o melhor.
 



Fabiano Cruz

Músico formado em composição e arranjo, atualmente expande seus estudos musicais na UNIS em licenciatura. Possui DRT em Jornalismo e Produtor Cultural e trabalha na área de criação musical, com já fez trabalhos em produções artísticas, rádio e TV.




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