Rocking Your Life - 19.11.2021 - Tom Brasil, São Paulo, SP (1ª Parte)
Fotos: Leca Suzuki (@lecasuzukiphoto)
Agradecimentos: Martiza Andrea (pela consultoria em espanhol)
Se o plano revelado por Alírio Netto a este escriba, em entrevista concedida a um site co-irmão [https://whiplash.net/materias/entrevistas/336311-alirionetto.html], era preservar o suspense sem soltar spoilers relacionados ao repertório, não apenas o objetivo foi plenamente alcançado como restaram surpresas! Afinal de contas, ninguém esperava que ele estivesse no palco em quatorze das vinte e nove músicas num espetáculo ininterrupto de duas horas e quarenta e cinco minutos!
Sem queixas e quanto mais melhor, mas a longa duração acabou justificando o horário de início às 22:00, pois seria impossível pegar o trem na novíssima estação João Dias, inaugurada em 05/11 entre Granja Julieta e Santo Amaro, a tempo de baldear na linha amarela do metrô mesmo se o começo tivesse sido uma hora antes. Logo, marcar cedo para quê? E não houve reclamações!
Com leve atraso de sete minutos, o idealizador do projeto fez as honras da casa – algo raríssimo – para o bom público a ocupá-la, especialmente se considerarmos que se tratava de uma sexta-feira relativamente fria, garoava e ainda enfrentamos uma pandemia.
“Boa noite! Tudo bem? Sou Paulo Baron, produtor do show. Eu quis apresentar hoje o evento porque queria contar a vocês que, depois de um ano, onze meses e vinte dias, é meu primeiro show no dia de hoje. Têm vários amigos por aqui, estou muito feliz em ver todos vocês. É um momento muito especial para mim e minha empesa, Top Link Music, e também é um momento muito especial para meus amigos aqui neste projeto acústico, porque pensei: ‘Bem, estamos na pandemia, né? As coisas vão retomando aos poucos’. E quando chamei o Fabio Lione, o primeiro que convidei, ele topou de primeira”.
E o improvisado “mestre de cerimônias” prosseguiu: “Depois foi crescendo o projeto e finalmente terminamos concretizando quinze datas já no Brasil, vários shows lotados, mas isso não é importante nesse momento, não a parte material, e sim que a gente entenda que, apesar do que estamos vivenciando, todos perdemos alguma coisa: dinheiro, familiares, amigos... No meu caso, perdi meu melhor amigo e acredito que todos vocês tiveram alguma perda de algum jeito. Então vamos comemorar esse dia e, como sempre digo em meus shows, vocês são meus convidados. E é por isso que quis hoje vir apresentá-lo. Não vai ser sempre, tá? Só desta vez, neste dia especial para mim e espero que seja para vocês. Então sejam bem-vindos a esta festa, de coração”.
Somente quatro belos castiçais decoravam o ambiente e, para não dizer que Alírio Netto abriu a noite cantando e tocando “Who Wants To Live Forever” sozinho, uma taça de vinho sobre o piano o acompanhava e aqui cabem dois adendos: passou batido, mas, em cinco dias, a morte de Freddie Mercury completaria trinta anos; e, além das canções, as falas introdutórias se transformaram em parte fundamental num evento super intimista. Portanto, antecipando, prepare-se para ler bastante:
“Muito obrigado, muito boa noite! É chover no molhado dizer o quão importante é, para a gente, estar aqui. O Paulo já falou tudo, todos nós perdemos alguma coisa nesse tempo em que a gente esteve aí ‘escondido’, né? E esta oportunidade de estarmos tão perto de vocês hoje é algo abençoado na vida de todos nós. Então acho que temos que aproveitar até o último momento mesmo. Quando o Paulo me ligou, foi uma loucura. A gente teve pouco tempo para organizar o repertório e aceitou na hora. Eu digo ‘a gente’ porque, além desses dois loucos, o Fabio e o Marcelo, tenho um grande amigo e foi o Paulo que nos apresentou: mi hermano, Alberto Rionda, por favor”.
Alírio continuou: “Uma salva de palmas ao guitarrista do Avalanch, banda que tem uma carreira incrível. O Paulo já fez muita coisa com o Avalanch, já foi empresário deles e acabou nos unindo, o que foi realmente um presente na minha vida. O Alberto é um cara que dispensa comentários, tem uma carreira brilhante, é um compositor incrível e é um privilégio estar aqui cantando algumas dessas músicas que a gente faz. Espero que vocês gostem bastante. Alberto, você quer falar alguma coisa?”.
Ele quis: “Um pouquinho de portunhol. Obrigado por estarem aqui nesta noite tão especial. Vamos tocar um pouquinho do sabor espanhol para vocês”. Sofrendo com três microfonias medonhas (graças a Dio, as únicas), ele puxou a encantadora “Alma Vieja”, extraída de El Secreto (19) e que fechara a passagem de som às 18:30, audível da calçada ao lado da bilheteria, sem exageros (sim, chegamos bem cedo ao recinto). E antes de “Delirios De Grandeza”, de El Ángel Caído (01) e também do Avalanch, o vocalista pediu: “Para essa próxima música, vou precisar das palmas de todo mundo aí”. Ao seu término, se dirigiu à platéia:
“Acabei de lançar um disco, ano passado, pela Frontiers Records e foi algo muito legal para a minha carreira. Realmente fiquei muito feliz com o resultado e acabei fazendo um show aqui no mês passado, que foi muito bom, foi sold out. Não sei se algum de vocês estava lá, mas realmente foi, para mim, uma grande conquista na minha carreira. Então vamos tocar uma música dele, a que dá nome ao disco, ‘All Things Must Pass’, homenagem direta ao George Harrison. Sou um aficionado pelos Beatles e todos os trabalhos solos dos caras e, apesar de a música realmente ter esse nome, ela não tem nada a ver com a ‘All Things Must Pass’ do George Harrison e também o disco. Mas é minha visão de que as coisas vão passar”, versão tão boa quanto a mostrada no Blue Note em 16/10 [https://onstage.mus.br/website/alirio-netto-blue-note-16-10-21].
O frontman voltou a discorrer a respeito do que viria: “Faremos outra canção do Avalanch. O que me diz sobre ela? Explique a eles a estória de ‘Alas De Cristal’”. Rionda o fez: “Se quebraram as asas de cristal, não pude mais me apaixonar e tive que aprender a cantar em espanhol”. Então foi a vez de o guitarrista pedir aplausos e, encerrado o tema de abertura de El Hijo Pródigo (05), Alírio tornou a se comunicar:
“Depois de um ano e pouco morando lá, aprendi que os espanhóis são muito apaixonados, eles têm uma coisa que é do espanhol mesmo e o Alberto não é diferente. Ele ‘vive nos arredores da Galícia’... Não, isso é uma piada deles lá, guerra de bairro, tipo Rio e São Paulo, Floripa e Porto Alegre. E é o seguinte: um dia o Alberto estava lá pelos ‘arredores’ e tinha uma praça em que ele sempre observava um menino que era cego. E todo dia ia uma menina falar com ele. Essa pessoa era cega de nascença e, na cabeça do Alberto, ele imaginou: ‘Como será que deve ser? Imagine se esse cara fosse apaixonado por essa figura. Como ele ia imaginar essa pessoa?’. E foi assim que nasceu ‘Lucero’, uma música que, toda vez que tocamos na Espanha, a casa vem abaixo – essa e a próxima que vamos tocar, que tem uma estória muito engraçada”.
Alberto complementou arrancando risos: “Não entendi nada, mas, sim, ele descreve sua amada com todos os sentidos menos a visão: o olfato, a audição e o tato. ‘Lucero’”, de Las Ruinas Del Edén (04), como sua sucessora, porém esta contextualização merece maior destaque:
Alberto: Agora preciso da atenção de vocês, me entendem? Neste país, Brasil, há um artista muito especial que se chama Alírio Netto. Ele canta em inglês, português, espanhol, aprendeu tudo em espanhol. Aplausos! E o tema seguinte é dedicado a todo o público do Brasil, que vai entender tudo agora. Vamos tocar a canção mais famosa do Avalanch na Espanha e seu nome é um pouco difícil em português.
Alírio: Não! É maravilhoso o nome!
Alberto: Como é o nome, Alírio?
Alírio: “Xana”! Esse é o nome da música: “Xana”!
Alberto: O problema é que “xana”, na Espanha, é uma fada do bosque.
Alírio: Aqui também é uma fada! Ele está dizendo que lá “xana” é uma fada. Aqui também, né?
Alberto: Depois compreendi que é o mesmo e vai depender da quantidade de erva que tem no bosque...
Alírio: Mas é uma fada muito secreta! No bosque???
Alberto: O fato é que a primeira vez que fomos tocá-la na Espanha foi numa cidade... Adivinhem como se chama essa cidade!
Alírio: Tem tudo a ver com “xana” o nome da cidade em que fomos tocar pela primeira vez!
Alberto: “Pinto”! Então, nós dois, pela primeira vez...
Alírio: [interrompendo] Tive que ir até “Pinto” para tocar “Xana”! Olha só!
Alberto: Esta é a estória de verdade e “xana” é uma fada do bosque que já morreu e seu namorado vai todas as noites ao bosque para ver se ela pode vê-lo e falar com ele. É uma estória de amor muito bonita que, no Brasil, seria de amor e de mais coisas.
Brincadeiras à parte, enquanto o espanhol iniciava o dedilhar da linda e comprida “Xana”, a mais extensa do set (confira as durações no fim da matéria), Alírio pedia palmas e a galera o atendeu. Novo diálogo surgiria:
Alberto: Perguntei a Alírio o que poderíamos fazer para ser algo especial esta noite. Então ele falou que não poderíamos.... Diga, Alírio, por favor!
Alírio: Bem, a gente já está compondo aí um disco novo do Avalanch. Já temos um disco inteiro e até tem material sobrando, o que é muito bom. E a gente se olhou e falou: “Cara, acho que a gente podia dar um presente para o Brasil”, que é meu país e o amo de coração... Posso ter saído do Brasil, mas o Brasil não sai nunca do meu coração. Sou brasileiro com orgulho... E falei: “Cara, tem que ser no Brasil que a gente toque a primeira música da nova fase do Avalanch juntos”.
Alberto: É a única ocasião na história que esta canção será tocada pela primeira vez... Aqui! Nunca mais! Ela será tocada pela segunda, terceira vez, em Madrid, México, mas a primeira vez só vai ser aqui.
Assim anunciaram a inédita e comovente “Beyond The Light”, cometendo o pecado de omitir o título, pescado do setlist de palco por este redator, que apurou ainda inexistirem previsão de lançamento e definição do nome do álbum. Pensa que terminou? Vieram mais palavras do vocalista: “Muito legal ver que a gente está podendo voltar à vida, né? Essa próxima música que a gente vai fazer é da melhor banda que já apareceu em todos os universos”. E quando um afoito fanfarrão gritou “Shaman!”, Alírio tirou onda: “Vocês estão me colocando numa posição de sacanagem! Falando sério, virei cantor por conta de um cara chamado Freddie Mercury”.
Ovacionado, não cessou: “Ele me deu, entre outras coisas: a vontade de cantar, estudar canto e tocar piano; fiz musicais; conheci minha esposa, que está lá fazendo o We Will Rock You na Espanha; fiz o Queen Extravaganza... Só tenho a agradecer a esses caras. Então, essa próxima música não é só do Queen. Ela pertence a todos nós, brasileiros. Então agora essa música é um dueto, beleza? Todo mundo sabe”. “Love Of My Life” foi reconhecida de imediato, remetendo à icônica performance no Rock In Rio de 1985 e com direito a Alírio de pé numa mesa na primeira fileira de assentos e a massa o apoiando em uníssono!
Outras surpresas a caminho: “Vamos ter um convidado muito especial. E agora vou dizer: nós temos um cara que, para mim, é, sim, o nosso... Não gosto de comparações, acho que não têm nada a ver, mas acho que o grande André Matos é o nosso Freddie Mercury! O que esse cara fez, o privilégio que esse cara deu para a gente, de poder sentir o presente que ele deu através de sua arte, seja com Angra, Viper, Shaman (banda que aprendi a amar e é impressionante o privilégio que tenho de estar ali) ou na carreira solo. Então, para a próxima música, quero chamar o cara que acho que foi o melhor amigo do André na vida inteira: Hugo Mariutti, meu grande irmão do Shaman. Venha para cá, bicho!”.
Após Alírio literalmente chamar o Hugo e feitas as reverências, Rionda preencheu o silêncio: “Faz um tempo, chegou à Espanha a notícia de que André já não estava entre nós. Tive a oportunidade de conhecê-lo como pessoa e artista. E tive a oportunidade de lhe presentear com uma canção que se chama ‘Face The End’. E, graças a ela, me dei conta de que André segue entre nós. A próxima é para André, por favor. Sempre digo que a música chega a todos os lugares e também ao céu”, tributo sincero para a faixa de Time To Be Free (07).
A saideira, ao menos da primeira entrada, manteve o trio a postos e trouxe a menor troca de idéias no geral: “Essa próxima música é o seguinte: é todo mundo cantando e é isso, tá?”, seria “Fairy Tale”. Concluída, Alírio se despediu provisoriamente: “Valeu demais, meus amigos! Bom, agora, quero chamar, aqui para o palco, esses caras que dispensam apresentações: meu irmão de alma, padrinho de casamento e sou padrinho do filho dele, Marcelo Barbosa; e Fabio Lione, um dos melhores cantores do universo, bicho! Venham para cá. Ele está com a garganta afiada”, cravando quase setenta minutos de set.
Controle a ansiedade! Em breve, o desfecho da saga. Agora, por que fragmentar a resenha? Para fazer o inusitado, subir o texto rapidamente, enxugá-lo e investir nas transcrições integrais das interações.
Setlist:
1ª Parte – Alírio Netto / Alberto Rionda
01) Who Wants To Live Forever (Queen) [Só Alírio Netto] – 4’06”
02) Alma Vieja (Avalanch) – 4’33”
03) Delirios De Grandeza (Avalanch) – 3’30”
04) All Things Must Pass (Alírio Netto) – 3’41”
05) Alas De Cristal (Avalanch) – 4’22”
06) Lucero (Avalanch) – 3’14”
07) Xana (Avalanch) – 7’26”
08) Beyond The Light (Avalanch) – 3’59”
09) Love Of My Life (Queen) – 3’46”
10) Face The End (André Matos) + Hugo Mariutti – 4’36”
11) Fairy Tale (Shaman) + Hugo Mariutti – 6’19”
Bacharel em inglês/português formado pela USP em 2003; pós-graduado em Jornalismo pela Cásper Líbero em 2013; professor de inglês desde 1997; eventualmente atua como tradutor, embora não seja seu forte. Fã de música desde 1989 e contando... começou a colaborar com o site comoas melhores coisas que acontecem na vida: sem planejamento algum! :)